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“BATMAN” – Um mesmo de qualidade

É difícil não comparar a versão de 2022 de BATMAN com as suas anteriores. Adam West, Michael Keaton, Val Kilmer, George Clooney, Christian Bale e Ben Affleck: cada um deles criou uma persona (ou várias, dada a identidade secreta) um pouco diferente para dar vida ao vigilante de Gotham. O mesmo se aplica aos diretores responsáveis pelas respectivas produções. O que Matt Reeves e Robert Pattinson têm que já não tenha sido visto antes? Pouquíssimo.

Nos últimos dois anos, Bruce Wayne tem atuado como o mascarado que amedronta parcela dos criminosos de Gotham. A cidade está imersa em criminalidade e corrupção, o que faz com que o Batman possa contar apenas com Alfred Pennyworth e o tenente James Gordon. Quando surge o Charada, um assassino misterioso e sem escrúpulos, o herói precisa mergulhar no submundo de Gotham e lidar com figuras tão perigosas quanto ele.

A identidade visual que Matt Reeves dá ao filme é muito boa, mas nada muito diferente do que já tenha sido visto. Sua Gotham é mais noturna do que a de Christopher Nolan, mas muito menos criativa do que a de Tim Burton; a armadura pesada do Homem-Morcego se assemelha à da versão de Christian Bale; a movimentação nas lutas, à de Ben Affleck.

(© WARNER BROS. / Divulgação)

Este é um Batman que reconhece suas próprias limitações (afirma expressamente que precisa escolher os alvos, pois não pode estar em todos os lugares) e está disposto a falhar (quando derrubado, fica atordoado e até mesmo manca). Ele usa o medo como ferramenta, todavia segue um norte moral cujos limites estão muito bem traçados. Bruce Wayne aparece pouco, o que torna difícil avaliar a interpretação de Robert Pattinson, envolto no traje e usando máscara. Contudo, o que sobra é suficiente para perceber um bom trabalho, vez que o ator é bastante expressivo com o olhar melancólico (costumeiramente voltando para baixo, como se estivesse perenemente traumatizado).

Nada disso é realmente original nos filmes do Morcego. O que há de realmente novo é o viés detetivesco atribuído à trama, uma narrativa em que tudo está conectado de alguma forma e converge para os atos do Charada – no plural, pois não há um clímax bem delimitado. Paul Dano é incrível em criar um vilão que gosta de chamar a atenção mesmo sem aparecer. É surpreendente como o texto consegue colocar o Charada como aquele que controla a investigação do herói por estar muitos passos à sua frente, mas sem mostrar seu rosto boa parte do filme. Na verdade, em boa parte do filme quase nada se sabe sobre o vilão além de seus inteligentes enigmas. Sua risada histérica e seus atos sádicos podem sugerir uma psicopatia qualquer, porém ele tem motivações bastante lúcidas.

Comparável ao excelente trabalho de voz de Dano é o desempenho corporal de Zoë Kravitz, uma Mulher-Gato tão sedutora quanto determinada. Seus golpes parecem passos de dança tão perigosos quanto suas unhas compridas. Em favor de seus próprios interesses, ela está disposta a se aliar com o Batman, mas não se furta a abandoná-lo se achar que for o melhor a ser feito. Há uma tensão sexual entre os dois que é muito bem trabalhada, da troca de olhares inicial às magnéticas botas que chamam a atenção de Bruce Wayne. Aqui, novamente, nada novo. Diversamente, Andy Serkis traz um ponto de vista original sobre Alfred, que não se limita a uma figura paterna afetiva e preocupada com o legado dos Wayne, mas exerce a função de ajudante do Batman em suas investigações tal qual atuava antes de trabalhar para a família de Bruce. Por sua vez, Jeffrey Wright é desperdiçado como um Gordon impessoal que aceita ser o sidekick do vigilante mascarado.

O modo como Reeves filma é irrepreensível, principalmente no uso de planos subjetivos em que ele coloca o espectador no meio do suspense (referência a “Janela indiscreta”), o que também ocorre quando as pistas são espalhadas pelo protagonista (referência a “Seven – os sete crimes capitais”). De negativo há uma pretensão de grandiosidade desnecessária demonstrada, por exemplo, na narração voice over e no caráter verborragicamente indômito do vigilante (show, not tell!). Ironicamente, até mesmo a duração é exagerada. No entanto, há de positivo a trilha musical de Michael Giacchino, cuja belíssima Leitmotiv seria suficiente para dar o tom épico desejado por Reeves.

Há um trabalho técnico primoroso em “Batman”, da mixagem de som (como no ruído da máscara do herói quando ele mexe seu pescoço) à fotografia noturna, do roteiro repleto de peças que se encaixam perfeitamente a cenas de ação cujo impacto parece sensível ao público. Entretanto, há pouco que já não tenha sido visto antes – e esse pouco recebe o nome de Charada. Em uma primeira camada, o vilão é a engrenagem narrativa necessária para o filme se desenvolver e, por via reflexa, a fonte de todas as revelações que surpreendem o protagonista. É na última meia (do total de três) hora(s) que fica exposta uma das melhores ideias da obra, segundo a qual o anonimato (facilitado pelas vias digitais) pode ser tão perigoso quanto a criminalidade habitual de mafiosos como Falcone (John Turturro, bastante sóbrio) e Pinguim (Colin Farrell, que se diverte na maravilhosa maquiagem, mas não é essencial) ou a corrupção de figuras públicas como Colson (Peter Sarsgaard, discreto). É uma pena que isso seja efetivamente explorado apenas ao final, quando o mais do mesmo – um mesmo de qualidade, mas um mesmo – ofusca as maiores virtudes da película.