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“BEEKEEPER – REDE DE VINGANÇA” – A metáfora é pedestre, mas existe

Ao contrário do que pode parecer, BEEKEEPER – REDE DE VINGANÇA não é apenas mais um filme sem roteiro que apenas serve de pretexto para um protagonista badass exercer a função de “exército de um homem só”. O roteiro é fajuto, mas não é nulo; o pretexto existe, mas também existe uma fagulha de reflexão sobre legalidade e justiça. Ainda que despido de originalidade, a produção poderia ser bem pior.

Depois da triste morte de uma pessoa querida por Adam Clay, ele retorna aos tempos em que trabalhava como beekeeper, agente de uma entidade clandestina. Sua vingança, porém, acaba sendo uma caçada contra pessoas poderosas no intento de proteger a colmeia.

(© Diamond Films / Divulgação)

Baseando-se no sucesso de franquias como “Busca implacável”, “John Wick” e “O protetor”, o filme dirigido por David Ayer não é criativo e não alcança a qualidade dos outros três (comparando apenas os primeiros filmes, para adotar o mesmo critério), copiando a ideia de um justiceiro aposentado de suas atividades como agente especial de alguma organização qualificada. Do ponto de vista temático, o roteiro de Kurt Wimmer é deveras superficial ao abordar o embate analógico versus digital e ao refletir sobre legalidade versus justiça.

No primeiro tema, Ayer faz uma contraposição estética entre a vítima do golpe que catapulta a empreitada do protagonista e o próprio protagonista, de um lado, e os vilões, de outro – um contraste que também pode ser visto, genericamente, como aquele entre ricos e pobres. A vítima reside em uma casa humilde em ambiente bucólico, e o cenário de Clay é igualmente bucólico, com o âmbar na fotografia (uma metáfora visual para as abelhas) e suas atividades de apicultor. Diversamente, a empresa que pratica o golpe é altamente tecnológica, em cenários fechados e iluminados com azul e rosa. O modo como o diretor enxerga a contraposição ultrapassa o imagético e recai no comportamental quando se percebe, por exemplo, que Garnett (David Witts) tem coragem apenas quando está em vantagem e que Derek (Josh Hutcherson) é mentiroso, mimado e inescrupuloso, enquanto Eloise (Phylicia Rashad) mantinha uma vida honesta, assim como Clay (ao menos agora).

No segundo tema, Clay precisa ser um justiceiro porque a proposta do filme é colocar Jason Statham como mais um invencível aposentado que se vê forçado a voltar à ativa (tal qual os filmes similares mencionados). Para isso, o filme demanda tanto a criação de um universo quanto a suspensão da descrença. Sem elaborar nada complexo, o roteiro cria os beekeepers de maneira didática, cabendo a Jeremy Irons o deplorável papel de expor o quão perigosos os agentes dessa organização podem ser. Isso é geralmente feito com exagero e falas risíveis, muitas vezes metáforas vergonhosas sobre abelhas, o que, entretanto, é coerente com o tom assumidamente cafona do longa. Surgem então frases de efeito, uma trilha musical épica e cenas tão ruins que se tornam cômicas – exemplo disso é a da substituta de Clay, imageticamente caracterizada de maneira risível, que, além de escolher mal a arma (considerando o potencial explosivo do local), é derrubada da maneira mais patética possível. No mesmo espírito, a suspensão da descrença é extrema (o livro subsiste mesmo com a explosão) e com um absurdismo tão caricatural que é quase divertido (a interação de Clay com os agentes antes de entrar no prédio).

Mesmo sendo possível aprofundar o debate legalidade versus justiça, o roteiro de Wimmer fica reduzido a diálogos breves e a uma personagem secundária. Trata-se da agente do FBI Verona Parker (Emmy Raver-Lampman), que faz parte de uma cadeia relacional que começa com Clay, prossegue com os beekeepers, tem o FBI no centro, aproxima-se dos antagonistas com a segurança privada e chega nos vilões. O que parece complexo é na verdade um esboço narrativo no qual subtramas são negligenciadas (o luto de Verona, recorrendo ao álcool) e explicações são abreviadas. Sem tempo para drama, o longa tem a virtude de tentar criar um universo próprio coeso, ainda que com o deslize de uma contradição em um diálogo entre Clay e Wallace (se o sistema não importa a Clay, mas apenas “o que é certo e errado”, toda a metáfora das abelhas se esvai).

De todo modo, o que realmente importa para “Beekeeper” é sua pancadaria desenfreada disfarçada de uma crítica à limitação do sistema legal. Talvez o filme pudesse ter mais gore em suas cenas de ação, uma vez que evita exibir sangue em boa parte delas (mesmo quando há membros decepados). Talvez isso faça parte da visão de Ayer de que Clay é diferente, não usando as mesmas táticas dos vilões. Enquanto estes usam armas de fogo, aquele usa métodos mais brutos e de menor alcance. Isso, claro, enquanto pode, pois na parte final o gore cresce um pouco (poderia, contudo, estar em dose bem maior). Não obstante, é irônica a violência gráfica sem muito sangue (considerando, reitere-se, o quanto poderia) em um filme marcado pelo explícito e pelo rudimentar.