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“BENÇÃO” – Melhor como poesia do que como prosa [46 MICSP]

Siegfried Sassoon foi um escritor, poeta e soldado inglês. BENÇÃO não justifica o próprio título, não articula bem os eventos da sua vida nem justifica o legado de Sassoon, parecendo um livro de boas poesias sem um denominador comum ao invés de uma narrativa em prosa bem desenvolvida.

Sassoon sobreviveu à Primeira Guerra Mundial e foi condecorado por seus serviços, mas sempre foi opositor à decisão dos líderes militares de prosseguir no confronto. Graças à sua influência com pessoas poderosas, conseguiu ser liberado e, enquanto escrevia contra a Guerra e agradava aristocratas com seus textos, se relacionava afetivamente com outros homens.

(© EMU Films / Divulgação)

O título do longa mira dois significados. O primeiro, mais amplo, se refere à jornada de vida de Sassoon, cuja trajetória era direcionada a uma suposta salvação pelos próprios pecados (a homossexualidade, para a qual ele encontrou uma alternativa) e pelos pecados alheios (os horrores da guerra). Surge então um problema: por que ele sentia essa necessidade de salvação? Sua orientação sexual poderia gerar uma sensação de desconforto (já que era vedada na época, mais ainda para soldados), todavia, se fosse esse o caso, nenhum de seus namorados teria conhecido sua mãe. Quanto à guerra, seus textos eram suficientes para representar uma militância dentro das possibilidades, não havendo no filme a mostra de que o trauma perdurou durante toda a sua vida.

É nesse contexto que surge o segundo significado, mais literal. A contragosto de seu filho, Sassoon se converte ao catolicismo logo no início, em uma sequência relativamente longa de rituais condizentes com alguém com grandes arrependimentos. No caso do protagonista, porém, esses arrependimentos simplesmente inexistem (ao menos no que é retratado no filme), o que erode por completo a tese defendida. Não há razão específica para ele precisar de uma benção, e, se houvesse uma vontade de conversão por motivos de fé, isso também precisaria ser mostrado.

Para além de uma proposta falha em seu nascedouro, Terence Davies escreve um roteiro claramente subdesenvolvido em alguns aspectos. Sassoon tem um irmão que aparece no começo, em uma cena cuja existência é injustificada – assim como a aparição da personagem (que, na verdade, não chega a ser uma personagem). Ainda mais grave, Davies utiliza um discurso antiguerra no primeiro ato, que é inclusive eloquente, mas flagrantemente se esquece desse discurso, como se Sassoon, uma vez livre do exército, não mais se importasse com o desfecho dos soldados. O cineasta coloca diversas imagens de arquivo, mas elas (a)parecem randomicamente inseridas, interrompendo os eventos sociais de que Sassoon participa sem envolver o próprio protagonista. Como resultado, parece haver uma distância ainda maior entre o escritor e a guerra, porquanto graficamente o contexto é distinto (imagens de arquivo de batalhas versus encenação de uma rica e agitada vida social) e não há um esforço, no script, em aproximá-los.

Jack Lowden se empenha em dar personalidade à personagem e seu trabalho é bom, porém falta a Sassoon uma interação convincente com as demais personagens. Robbie (Simon Russell Beale) é uma ferramenta de roteiro; Wilfred (Matthew Tennyson) salta de uma apresentação para a proximidade e da proximidade para uma paixão fulminante como se essa progressão funcionasse por saltos (embora a química entre os atores, sobretudo na cena mais triste, seja muito boa); Edith (Olivia Darnley) surge do nada sentindo a ausência de Sassoon como se ela fosse relevante; Stephen (Calam Lynch), igualmente, aparece como um melhor amigo que, se melhor trabalhado desde o início, seria uma personagem interessante. Em síntese, os vínculos de Sassoon com aqueles ao seu redor são precários, exceção feita a Ivor (Jeremy Irvine) e a Glen (Tom Blyth). Entretanto, com eles os problemas são outros: o overacting de Irvine prejudica Ivor; o pouco tempo de tela de Blyth não permite o cumprimento do potencial de Glen.

Apesar de todos esses defeitos, os diálogos de “Benção” são excelentes. Com um humor sagaz e falas oportunamente mordazes, o roteiro, nesse quesito, parece um deleite poético no qual as palavras se encaixam umas nas outras e formam rimas encantadoras. Quando as personagens falam, as cenas cafonas são esquecidas (a dança imaginária, o slow motion ao final etc.) e a obviedade simbólica (a chave como objeto fálico sugestivo, o dançar como uma fuga…) é ignorada. Cada diálogo é como uma admirável poesia; quando eles se juntam e é analisado o desenvolvimento da trama, contudo, a prosa é decepcionante.

* Filme assistido durante a cobertura da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.