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“BORAT: O SEGUNDO MELHOR REPÓRTER DO GLORIOSO PAÍS CAZAQUISTÃO VIAJA À AMÉRICA” – Entre acasos e exageros

O intercâmbio cultural pode ser uma valiosa ferramenta para a redução dos preconceitos. No entanto, em alguns momentos, é possível que a estranheza diante das diferenças provoque risos, sempre tangenciando a fronteira entre humor e ofensa. BORAT: O SEGUNDO MELHOR REPÓRTER DO GLORIOSO PAÍS CAZAQUISTÃO VIAJA À AMÉRICA não se propôs à redução dos preconceitos, mas a expô-los com exagero, provocando risos pelo ridículo. “Borat” arranca risos, mas também pode deixar o espectador pensativo diante das injustiças e dos preconceitos que confessa e que denuncia.

(© 20th Century Fox / Divulgação)

Situações engraçadas e desafiadoras acontecem quando Borat, um repórter popular do Cazaquistão, parte para os Estados Unidos. Ele inicia a viagem com a intenção de gravar um documentário sobre as características que fariam dos Estados Unidos uma grande nação. Ele se apaixona pela atriz Pamela Anderson e inicia uma jornada atravessando o país para encontrá-la. No caminho, consegue ofender a maioria das pessoas com quem se encontra.

O longa possui características do subgênero mockumentary. Para atingir esta linguagem, utiliza uma mistura de sátira com esquetes reais. Em cenas de humor públicas, os demais participantes não sabiam que a equipe estava gravando, o que aproximou o filme do realismo de um documentário. A linguagem documental também está presente na fotografia, com movimentação característica de câmera na mão.

A boa manutenção da linguagem e a precisão de “Borat” deve-se ao trabalho do diretor Larry Charles. O filme tem a duração necessária para passar sua mensagem e divertir o público. Além disso, o ritmo é adequado para manter o engajamento, sem a inserção de subtramas ou complementos. 

Charles aplica a jornada do herói clássica, mas com o propósito de satirizá-la. Há um exagero em cada etapa condizente com os demais exageros do longa. Não se pode dizer, portanto, que “Borat” é formulaico. Ele é controverso, politicamente incorreto, exagerado e satírico, e está longe de seguir uma receita de gênero. 

Além da direção cuidadosa de Larry Charles, a interpretação de Sacha Baron Cohen, como o protagonista Borat, é excelente. Cohen, que também foi o roteirista, fez um ótimo trabalho vocal com seu personagem. O sotaque britânico do ator é, propositalmente, acentuado e, assim como a utilização de um vocabulário mais simples, contribui para o humor nos momentos em que contracena com atores e atrizes estadunidenses. 

A expressão corporal de Cohen também merece destaque. Em sua atuação estão presentes técnicas de clown que revelam a trajetória do ator, que estudou com Philippe Gaulier. O personagem Borat tem muitas das características de um palhaço. Ele utiliza o exagero verbal e corporal, bem como a ingenuidade do olhar, para atrair, divertir e deixar o público desconfortável com seus subtextos críticos. 

Com boa atuação de Cohen e uma direção harmônica de Charles, o longa é marcante também por fazer piadas com temas sensíveis. O ótimo timing cômico do ator é utilizado para piadas sobre deficiência física, antissemitismo, sobre prostituição infantil e outros temas que muitos roteiristas evitariam abordar. A dúvida que pode surgir é quanto ao respeito do filme à realidade que utiliza em suas piadas. Nesse sentido, é provável que o filme ultrapasse muitos limites, até para espectadores acostumados com o tipo de humor proposto. 

“Borat” não é um filme que se preocupa em respeitar, mas em denunciar em forma de humor. Na textualidade das piadas e, em geral, após algum riso, há sempre a triste consciência das verdades por trás do roteiro. Não é como se o roteiro trouxesse temas inéditos ou piadas impossíveis de serem ditas no cotidiano. Ele aborda preconceitos, contrastes culturais e contradições éticas que existem na realidade, ainda que de forma velada ou mais sutil. O longa pode ofender, mas parece ter assumido essa possibilidade em prol da abordagem que pretendia dar aos problemas sociais. Por isso, ele não aceita com naturalidade os contextos que satiriza. Ele os satiriza, como denúncia, como um registro do que poderia mudar. 

Apesar de ter bons aspectos críticos e uma ótima interpretação, “Borat” também poderia ser satirizado. Ao se tornar um road movie, perde-se em uma estrada qualquer, distante demais da lógica. O propósito de seu protagonista, embora adequado ao exagero do longa, não é factível, mesmo naquele universo criado. A motivação inicial de Borat não pareceu suficiente, então, foi necessário inserir aquela espécie de busca pela princesa encantada. O roteiro seria mais rico se mantivesse como motivação a própria elaboração do documentário, a viagem, a exploração do país. 

O longa assume o acaso como parte de sua estética. As esquetes públicas, em que a equipe não tem controle sobre os personagens em tela, são funcionais para a linguagem do filme. Com seus exageros, “Borat” provoca risos e repulsa, com marcada intencionalidade. Não se trata, portanto, de uma diversão para todos os públicos, mas para aqueles desejam alguns momentos de acasos, exageros e crítica.