“CARCEREIROS – O FILME” – A moralidade do cárcere
Enquanto filme de ação, pode-se dizer que CARCEREIROS – O FILME é uma produção que atinge o seu objetivo básico de entretenimento. De maneira mais apurada, percebe-se, todavia, que suas subtramas são rasas, salvo no que se refere à moralidade própria do cárcere.
No longa, Adriano é um carcereiro por opção: graduado em História, escolheu trabalhar nessa outra área, assumindo todos os riscos inerentes ao ofício. Quando a polícia federal encaminha um terrorista internacional ao presídio, Adriano precisa cuidar do novo detento e evitar uma rebelião dos demais presos.
Escrito por Marçal Aquino, Fernando Bonassi e Dennison Ramalho a partir do livro homônimo de Drauzio Varella (em inspiração livre), o roteiro do longa é recheado de personagens, não conseguindo dar espaço suficiente para nenhuma delas. Trata-se, em outras palavras, de um texto plot driven (ao invés de character driven), de modo que as poucas subtramas que surgem, relativas aos coadjuvantes, são esquecidas ou não saem do superficial.
Assim, o elenco de peso é pouco aproveitado: Milton Gonçalves faz meramente uma participação especial, Tony Tornado é quase um espectador na telona, Dan Stulbach ganha relevância apenas quando surge um novo arco narrativo já ao final e Jackson Antunes aparece mais com o nome do que com o talento que tem. Rafael Portugal está em um papel sério, contudo o discurso religioso da sua personagem lembra um pouco os trabalhos humorísticos que o tornaram famoso (no canal Porta dos Fundos, em especial), como se fosse uma sátira. Ou seja, é difícil levá-lo a sério, parece que ele está sempre prestes a fazer uma piada (o que, todavia, não acontece).
Quanto aos principais nomes da trama, Abdel surpreende muito mais pelo destino dado a ele pela narrativa do que pela atuação de Kaysar Dadour, enquanto que, diversamente, o Adriano de Rodrigo Lombardi reforça a qualidade deste enquanto ator. A despeito de dois defeitos funcionais na personagem, Lombardi lhe dá muita personalidade – os defeitos são dois: a subtrama familiar é abordada apenas en passant, ainda no primeiro ato, sugerindo que haverá consequências nessa esfera da sua vida, o que não ocorre (na prática, a filha serve para que o longa dure um pouco mais, apenas); além disso, há uma infalibilidade incômoda no protagonista.
Lombardi é um ator bom o suficiente para dar dramaticidade a uma cena tola – a conversa com a filha, que é tola pela sua forma (já que isolada do resto da narrativa), não pelo seu conteúdo -, porém ele não consegue dissolver o heroísmo de Adriano. Talvez seja possível falar em super-heroísmo, dada a enorme suspensão da descrença relativa aos “dissabores” enfrentados pelo protagonista (alguns tiros de fuzis, nada que um super-herói não consiga resistir).
O filme, infelizmente, recai no previsível maniqueísmo. Entretanto, é nesse campo que o script encontra brechas para, indiretamente, abordar a moralidade própria do cárcere. Usando a terminologia kantiana, embora Adriano esteja na seara da legalidade (afinal, ele não tem defeitos), ele entende que uma área distinta, a da moralidade, não pode ser para ele um objeto estranho. Se o texto não se preocupa em aprofundar suas sessões de terapia (como se a narração voice over do começo e do fim suprissem esse vazio), o discurso de Adriano é perfeito.
Com base em diálogos impecáveis do ponto de vista da forma, Lombardi é extremamente convincente como o carcereiro humanista, aquele que quer evitar problemas fazendo amizade com os presidiários, mas sem se corromper. Ele é tão bom que fica inverossímil, na verdade. Na cena em que ele confronta um preso armado, ele demonstra amplo conhecimento do linguajar dos encarcerados (com falas como “tua fé não tá cem por cento não, irmão”), além de compreender que precisa da confiança deles para ser respeitado. Quando ele fala inglês, é engraçado, mas bem realista.
Adriano se torna tão imerso nessa realidade que passa a pensar na perspectiva da moral dos presos, por exemplo ao se preocupar antes com o cumprimento da palavra dada do que com a própria vida (no que, por outro lado, se torna inverossímil). Mesmo se não concordar, ele entende o raciocínio (deturpado, evidentemente, mas presente nos presídios) segundo o qual quem mata não é desonesto como quem rouba.
José Eduardo Belmonte faz tudo que um filme de ação precisa, com tiros e explosões. Porém, a fotografia por vezes fica escurecida em demasia, prejudicando a nitidez das imagens, e a mixagem de som é desastrosa (quando mistura a trilha extradiegética com ruídos diegéticos e narração voice over, o caos sonoro se instaura). A trilha musical não é incompatível com a proposta, pelo contrário. O problema é que ela tem tanta personalidade e é tão intensa e repetitiva que, além de cansar o espectador, deixa de valorizar o silêncio, que, com inteligência, poderia ter sido bem utilizado.
De todo modo, é preciso considerar que a proposta da película não repousa na fotografia ou no som, mas na imersão do espectador na adrenalina de um local bem específico. A história não é desinteressante e, apesar das diversas falhas de desenvolvimento, é suficientemente magnética. Com isso, a obra capta a plateia, mas dificilmente permanece com ela após o término da sessão.
Em tempo: não é preciso ter visto a série para assistir ao filme, são obras independentes do ponto de vista da trama.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.