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“CAROL” – Os degraus que levam à liberdade

Em junho o mundo celebra o mês do orgulho LGBTQIA+. A celebração é importante ainda hoje, já que em diversos países o casamento entre pessoas do mesmo sexo é condenado pelo governo e grupos religiosos locais. Mesmo em países que se colocam como completamente abertos, o casamento homoafetivo só foi aprovado há pouco tempo, como nos Estados Unidos, que deram esse passo em 2015.

Esse inclusive é o ano de lançamento do filme CAROL, que mergulha o espectador na década de 1950. Carol Aird é uma mulher elegante e de personalidade forte que está passando por um divórcio conturbado com o marido Harge, com quem tem uma filha, Rindy. Ao comprar um presente de Natal para a menina, Carol conhece Therese Belivet, uma vendedora que, ao perceber que a cliente esqueceu as luvas em seu balcão, arquiteta uma forma de devolver. Usando a gentileza como artifício, Carol se aproxima de Therese e leva a moça para um mundo completamente diferente do que tinha atrás do balcão da loja de brinquedos.

Carol é interpretada pela sempre espetacular Cate Blanchett. É uma mulher mais velha, experiente e extremamente elegante, até mesmo na forma de andar. Isso rapidamente chama atenção de Therese, que ganha vida através de Rooney Mara. As duas começam uma amizade que rapidamente incomoda Harge (Kyle Chandler), o marido de Carol. O incômodo acontece porque no passado sua esposa teve um caso com a melhor amiga, Abby (Sarah Paulson).

Carol-Cartaz
(© Mares Filmes / Divulgação)

Therese, apesar de namorar o jovem Richard (Jake Lacy), se percebe atraída pelo poder que Carol carrega. Um poder que não é opressor, mas sim libertador. Nos anos cinquenta, uma mulher com tanta imposição e postura, acende uma chama que Therese ainda desconhecia. Carol representa a liberdade, a coragem de ser quem é, o que é um encantamento para a garota que sequer conseguiu realizar seu objetivo de ser uma fotógrafa e viver de sua arte.

As duas são de mundos diferentes, e isso o diretor Todd Haynes deixa implícito quando a câmera captura os olhares de Therese, deslumbrados com a altivez de Carol – como, por exemplo, quando as duas estão almoçando e conversando casualmente no primeiro encontro e Therese acompanha cada movimento da outra com o garfo. O posicionamento da câmera do olhar de Therese demonstra que ela está ligeiramente embaixo, olhando para cima e admirando aquela potência que deseja alcançar.

Para além dessa cena, tem uma outra sequência que se passa em um hotel e o diretor constrói uma mise en scène interessante: Carol se deita na cama e Therese a observa ao fundo, criando a sensação de que está em um lugar um pouco mais baixo. Aos pés do leito, as malas estão posicionadas da menor para maior, entrando em foco logo após a moça deitada, indicando como degraus que Therese ainda precisa subir se quiser alcançar Carol.

O roteiro de Phyllis Nagy traz, ainda no primeiro ato, uma cena em que as personagens já se conhecem e são observadas pelo olhar de um terceiro. Em seguida, em uma sequência incrivelmente trabalhada na montagem que cruza o carro com o brinquedo que Carol comprou para sua filha, o espectador é levado ao começo de tudo, onde as protagonistas se conheceram e como começaram a se relacionar. Contudo, o restante da trama é desenvolvido de maneira bem linear, com os acontecimentos se desdobrando até que chegassem novamente na primeira cena do longa.

O elemento-chave que o roteiro precisava para ganhar vida, além do diretor, são as atrizes. Blanchett apresenta uma atuação impositiva, que demonstra através de olhares, gestos e do caminhar que é mais velha e experiente que Therese, que através de Mara ganha diversas nuances. Como é uma personagem que ainda está se descobrindo, em completo conflito interno, seus anseios vão mudando e sendo expressos somente com o olhar. Nas cenas com o noivo Richard, ela olha para o horizonte, sem perspectivas. Quando está com Carol, seu olhar é atento e curioso, sempre buscando alguma coisa.

Como toda história de amor, Carol e Therese também têm conflitos. Um divórcio em andamento e uma sociedade machista e que só aceita relacionamentos heteronormativos – ainda mais para uma mulher que já é mãe – vão fazer com que elas se questionem sobre o desejo que sentem uma pela outra e até onde podem ir, sem que saiam prejudicadas.

Recentemente ficou forte na internet o debate de que cenas de sexo em um filme não são necessárias. É preciso analisar caso a caso e a construção da narrativa em volta da situação. No caso de “Carol”, a relação sexual é a explosão do desejo entre as personagens, o grito de liberdade que faltava para que pudessem se entregar à paixão. A cena é completamente necessária para o desenvolvimento do longa e tem um propósito dentro da narrativa, tornando-se condizente com toda a trama apresentada, afinal de contas o sexo também faz parte da vida. E liberta. Assim como o amor e a arte.