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“CASAMENTO EM FAMÍLIA” – Alavancado, porém solapado

Quando CASAMENTO EM FAMÍLIA anuncia quatro dos maiores nomes das comédias românticas hollywoodianas contemporâneas em seu elenco, é impossível não esperar algo, no mínimo, razoável. Diante da qualidade do quarteto, não seria necessário muito para chegar a tal nível. De fato, não seria necessário, porém é possível concluir que tampouco seria fácil, dadas as escolhas de seu realizador.

No casamento de seus amigos, Michelle e Allen chegam a um impasse: ele quer manter o relacionamento como está, ela quer se casar com ele. Michelle tem a ideia de reunir os pais de cada um em um jantar para se conhecerem, o que Allen acha ruim, mas o que nenhum deles imagina é que o pai dele já conhecia a mãe dela e o pai dela já conhecia a mãe dele.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Existem alguns motivos que demonstram que Michael Jacobs não sabe sobre o que trata seu próprio filme. Seria sobre amor na terceira idade? Ou sobre a erosão do casamento enquanto instituição? Parcela de responsabilidade por essa indecisão vai para os diálogos pulverizados (do ponto de vista temático) travado entre as personagens. São conversas vagas que vão do carpe diem (Howard e Monica) à solidão (Sam e Grace), nunca com uma unidade temática que não seja o casamento. O roteiro de Jacobs acaba então desperdiçando subtextos de enorme potencial, sobretudo em relação ao sexo e à dificuldade de diálogo dos casais com mais de sessenta anos.

O casamento, há que se reconhecer, é a unidade temática do script. Entretanto, o ponto de vista adotado pelo longa é bagunçado diante do fato de que o momento de relacionamento dos três (ou, mais precisamente, cinco) casais é absolutamente distinto: um deles ainda não se formou propriamente, outro acabou de se romper, dois estão em crise e o último está indeciso. Isso não seria um problema se, primeiro, Jacobs soubesse lidar com profundidade com os cinco casais, segundo, se não houvesse um desnível tão grande entre eles, e, terceiro, se não fosse a pesada dependência das contraposições.

Fica claro que Jacobs não soube traduzir em linguagem cinematográfica a (possivelmente boa) peça teatral (também escrita por ele) na qual seu roteiro de “Casamento em família” se baseou. São noventa e cinco minutos verborrágicos e com longuíssimos créditos iniciais sinalizando a escassez de conteúdo. Sua mise en scène não é de todo descartável: são boas ideias, ainda que não originais, dentre outras, a queda de uma pétala do buquê quando Allen tenta entregá-lo a Michelle (simbolizando a decepção da namorada), assim como o zoom in no two-shot frontal no diálogo entre Grace e Howard no banco em frente à sua casa. Seria melhor, porém, se a produção reconhecesse seu lado cafona (como na cena em que Howard olha, com inveja, um casal jovem e apaixonado enquanto toca “You’re still the one”), e ainda melhor se resolvesse esmiuçar as questões que (apenas) sugere para debate. “Boa sorte, Leo Grande” é um exemplo próximo, mas muito mais exitoso.

Além disso, quando Allen e Michelle estão em cena, o desejo do público não pode ser outro que não o que eles saiam, seja porque o casal é demasiado insosso, seja pela deplorável limitação de seus intérpretes, Luke Bracey e Emma Roberts (sem contar o desnível com um quarteto que é o epítome das comédias românticas). Diane Keaton está no piloto automático no papel de Grace (até mesmo seu vestuário, com cores acinzentadas e castanhas, estampas xadrez e predileção por cos alto, é aquele de costume), mas mesmo assim consegue ser tocante ao demonstrar surpresa quando Howard (Richard Gere, mais apagado) parece querer conversar. Susan Sarandon tem em Monica o que a produção apresenta de melhor, encarnando uma sarcástica megera sexy (de robe) e elegante (de casaco branco) simplesmente divertidíssima (sua reação ao reencontrar Howard é impagável). Suas interações com Sam (William H. Macy, melhor no humor do que no drama) fazem sair faíscas bem engraçadas também.

Por fim, é nas contraposições que o diretor se perde. Há uma sujeição incômoda à montagem paralela, inclusive para fins narrativos, de modo que, após o impacto inicial do encontro do grupo, o veloz retorno à separação é completamente anticlimático. Imageticamente, é interessante que, no começo, um dos casais fique em ambientes de pouca iluminação, distinto dos demais, porém o conteúdo das cenas deixa a desejar, enfraquecendo a contraposição. Ainda em montagem paralela, quando Allen e Michelle conversam com seus respectivos pais sobre a discussão que tiveram, são expostas visões distintas sobre casamento, todavia, para além do humor, nenhuma reflexão valorosa se extrai dali. “Casamento em família” é alavancado pelo quarteto de gigantes, é também, contudo, solapado pelo não uso de seu potencial (e pelos seus diversos defeitos, é claro).