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“CEMITÉRIO MALDITO” (2019) – Surpreendentemente oportuna adaptação

*Clique aqui para ler a nossa crítica do filme de 1989.

A versão de 2019 de CEMITÉRIO MALDITO toma tantas liberdades em relação à concepção original de Stephen King (do livro e do roteiro que deu origem ao clássico) que o resultado do remake é uma surpreendentemente oportuna adaptação. Surpreendente, porque apara arestas deixadas pelo “original”; oportuna, porque consegue atualizar tudo que torna o primeiro datado; adaptação, porque permite traduzir a linguagem literária para a cinematográfica muito melhor que King.

O plot idealizado pelo autor do livro homônimo é mantido: uma família que se muda para o interior e acaba passando por eventos estranhos ao descobrir um cemitério de pets (animais de estimação) próximo à nova residência.

Cartaz de “Cemitério maldito

Não obstante, o trabalho de Matthew Greenberg ao adaptar a obra de King merece elogios pela sabedoria de excluir elementos desnecessários que este não conseguiu eliminar quando trabalhou como roteirista em 1989. Escrito por Jeff Buhler, o texto é bem mais límpido sem, por exemplo, a empregada, personagem inútil no clássico.

Greenberg e Buhler ousam ao mudar o plot twist original, o que acaba por enriquecer ainda mais a trama e gera novas possibilidades narrativas. Outra mudança está na justificativa para Rachel não querer falar sobre a morte para a filha: ao invés de enfocar na menina (que seria nova e ingênua demais para entender um assunto tão complexo), a própria mãe é que se torna o foco (enaltecendo sua dificuldade com o tema).

Com mudanças como essa, o roteiro, além de mais cristalino, fica mais coeso e verossímil, como na ida de Ellie ao cemitério (motivada pela curiosidade infantil na sua forma mais pura) e no tormento de Rachel em relação à irmã. O arco narrativo desta é bem delineado e plausível, justificando um subplot de terror que acrescenta bem ao plot de terror principal.

Mesmo Jason Clarke sendo um ator gabaritado cujo nome, por si só, já chama a atenção para qualquer produção, Amy Seimetz rouba os holofotes. Boa parte disso se explica pelas personagens: ele faz de Louis um cético que vive conscientemente uma contradição (a emoção e os dados empíricos fazem com que abandone o ceticismo); ela mantém Rachel como uma mulher que passou por um trauma cujo resultado foi afastá-la de tudo que se relaciona à morte. No fim, o pavor que ela transmite é melhor exteriorizado que a surpresa que ele parece sentir.

Sobre esse tema, há um subtexto religioso deveras interessante, que, contudo, devia ser mais explorado, pois não fica plenamente clara a sua fé (em um momento, ele afirma acreditar que não há absolutamente nada após a morte, em outro, sugere ser cristão). O Jud de John Lithgow não participa muito, mas serve para explicar a Louis a mitologia por trás do cemitério. Falta à personagem ambiguidade, pois o perfil que o ator lhe dá é demasiado bondoso.

Na direção, novamente o remake supera o antecessor. Kevin Kölsch e Dennis Widmyer usam bons recursos imagéticos para dar requinte à película, como o presente que Jud dá a Ellie (embalado em uma sacola roxa, cor que representa a morte), investindo consideravelmente no design de produção (a casa vermelha, a ótima maquiagem etc.). O cemitério tem uma atmosfera bem macabra, especialmente por aparecer mais à noite e com neblina (o que, todavia, não impede a boa visibilidade). O trabalho de câmera é bem feito, em especial no uso de câmera subjetiva (por exemplo, na cena de Jud no corredor, filmada com lente grande-angular), que é inclusive como o filme começa (um uso manipulativo que frustra por não se repetir como poderia).

O longa tem jump scares, mas é perceptível o cuidado para não exagerar na ferramenta (que até mesmo deixa de ser utilizada quando é esperada) – valendo o mesmo para o gore. Rachel é bem explorada para cenas de subjetividade mental, que alternam entre flashbacks e alucinações, colaborando muito para o temor crescente. Há um grave problema de ritmo, de modo que os dois primeiros atos são bem melhor absorvidos que o terceiro (paradoxalmente repetitivo e acelerado) – os dois primeiros terços são de “neoterror” (aquele com camadas dramáticas e rico subtexto), o terceiro, de terror ultrapassado.

Cemitério maldito” aproveita a moda que o terror tem se tornado na sétima arte para retomar um clássico aquém do seu potencial. Há aprimoramentos narrativos, cênicos e gráficos, o que mostra que nem sempre remakes são perda de tempo.