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“CLOSE” – Amores e desamores em olhares e gestos [24 F.Rio]

Na edição de 2022 do Festival de Cannes, o Grande Prêmio do Júri foi dividido entre dois filmes. Um deles foi “Stars at noon” da conhecida diretora Claire Denis e o outro foi CLOSE do jovem diretor Lukas Dhont em seu segundo longa-metragem. Os festivais de cinema ao redor do mundo podem indicar tendências na arte de contar histórias e gerar expectativas entre críticos e cinéfilos. Isso porque sempre existe certa curiosidade de saber se determinado prêmio seria merecido ou se algum filme seria tão poderoso assim. Ainda que não seja completamente proveitoso e relevante artisticamente colocar obras em competição, a repercussão em Cannes do drama franco-belga que trabalha a repressão do desabrochar sexual na adolescência fora da heteronormatividade é coerente.

(© The Match Factory / Divulgação)

Os adolescentes em questão são Leo e Rémi, dois amigos super próximos que passam muito tempo juntos e possuem uma intimidade física significativa. Quando os dois entram em uma nova escola, começam a sofrer com comentários, perguntas ou ofensas invasivos e preconceituosos dos colegas. Sendo o primeiro a perceber o que acontecia e se sentindo incomodado com o ambiente escolar, Leo gradualmente se afasta de Rémi e evita o contato físico que tinham. O afastamento entre eles produz dores, sofrimentos e atritos que geram uma grande tragédia. Após isso, o duro desafio de lidar com um evento trágico se impõe no amadurecimento emocional típico da adolescência.

Duas realidades opostas se colocam para os protagonistas. De início, os garotos se divertem sozinhos e mostram grande intimidade: brincam de serem soldados na luta contra um inimigo, Leo assiste ao treino de Rémi tocando flauta e um dorme na casa do outro constantemente. A dinâmica entre eles é filmada por Lukas Dhont sem precisar revelar textualmente a proximidade dos meninos ou abordar diretamente o carinho homoafetivo que começava a surgir. Esta percepção ocorre a partir, por exemplo, das sequências em que eles dormiam abraçados na mesma cama, Leo assoprava o pescoço de Rémi em um momento de insônia de ambos e Rémi deitava apoiando sua cabeça no corpo de Leo no jardim da escola. Em seguida, a ida ao colégio modifica essa relação e a própria abordagem dramatúrgica, já que os comentários maldosos dos demais alunos são explícitos perguntando se namoravam e chamando-os de “bichas”. Naquele microcosmo, a sociedade patriarcal e machista se manifesta reprimindo os desejos, os sentimentos e as subjetividades dos indivíduos desde muito cedo, até em uma fase da vida em que adolescentes ainda estão se encontrando e se conhecendo.

A formação das personalidades dos dois meninos ainda estava em curso e, portanto, incompleta, o que impacta fortemente a amizade entre eles e outras eventuais relações que poderiam se desenvolver. Preenchido pela vontade de se sentir pertencente a algum lugar, Leo é o primeiro a sofrer com as reações dos colegas e a se distanciar do amigo, evitando contatos físicos e a convivência tão próxima com Rémi por tanto tempo. Lukas Dhont utiliza a mise-en-scène e a decupagem para evidenciar a fragilização dessa amizade com exemplos visuais de uma separação espacial entre eles. Como a câmera é posicionada e sempre se movimenta muito próxima dos jovens atores, são visíveis os enquadramentos que mostram que os protagonistas não estão mais no mesmo quadro e, se antes um único plano dava conta de captar os dois personagens, passou a ser necessário pelo menos dois planos. Além disso, os vários momentos em que Leo e Rémi saíam de casa de bicicleta, encontravam-se no caminho e se dirigiam juntos para a escola eram filmados com os dois garotos estando no mesmo plano, algo que se modifica quando começam a se separar porque não pedalam juntos e a câmera acaba por enquadrar apenas um por vez.

Em parceria com o roteirista Angelo Tijssens, Lukas Dhont escreve um roteiro que trabalha as sutilezas para desenvolver os conflitos. Ao mesmo tempo que a intimidade dos dois jovens não é construída diretamente como um relacionamento homoafetivo e a decupagem traduz suavemente a separação gradual entre os dois, alguns acontecimentos são criados para reforçar através de alegorias as mudanças nas interações de Leo e Rémi. Isoladamente, os momentos podem ser somente triviais, mas colocados em conjunto apresentam sentidos simbólicos expressivos. Por exemplo, quando sozinhos no início da trama, os dois garotos brincavam de esconde e esconde, e quando Leo começa a se distanciar do amigo, decide jogar hóquei de gelo, um esporte convencionalmente considerado bruto e masculino, para demonstrar que não seria homossexual. Mais adiante, em uma das sequências em que Léo aparece ajudando sua família a cuidar da plantação na fazenda onde viviam, uma retroescavadeira surge esmagando grande quantidade de rosas, algo que expõe a destruição da beleza e sensibilidade do universo daqueles dois adolescentes.

Trabalhar a sutileza como princípio artístico definidor da produção faz com que o cineasta utilize os pequenos gestos e olhares como recursos dramáticos para os personagens. Esta característica aparece, principalmente, na direção de atores feita por Lukas Dhont. Leo e Rémi ainda não teriam ferramentas suficientes para compreender exatamente o que sentiam, as contradições de seus sentimentos e a violência sofrida socialmente, por isso faria mais sentido uma criação mais indireta e minimalista de personagens. Nesse sentido, Eden Dambrine e Gustav De Waele são orientados para ter atuações que não verbalizam suas emoções nem as manifestam tão claramente nas atitudes. Ao invés disso, os dois atores trabalham, amparados pelo diretor, com pequenos gestos e olhares sutis. No caso de Gustav de Waele, o sofrimento começa a se expressar nos pequenos detalhes tocantes, como suas lágrimas inesperadas sentado a mesa para o café da manhã. E no caso de Eden Dambrine, a preocupação com o amigo e incompreensão do que estava ocorrendo se manifestavam nas tentativas de reaproximação no colégio e em sua reação quando entra em uma briga com Rémi.

Quando uma tragédia se abate sobre os personagens, a reviravolta acontece na trama, porém o estilo de abordagem dramática continua o mesmo por algum tempo. O fato atinge a escola e as famílias de Leo e Rémi, exigindo especialmente de Leo ter que lidar com a situação imprevisível. A narrativa mantém uma construção de sutilezas que não escancaram a princípio o drama e uma explosão de sentimentos, acompanhando o que aconteceria com o adolescente. O roteiro intercala momentos comuns do dia a dia de Leo, estudando, divertindo-se com os colegas na escola, praticando hóquei no gelo e ajudando sua família, com outras situações mais dolorosas nas quais o garoto precisava entender suas próprias emoções e tentava dar sentido ao que havia acontecido. Estes últimos momentos o levam a dormir na casa de outro amigo e a pensar como era quando dormia na residência de Rémi, além de fazer visitas constantes à mãe de Rémi para saber como ela estava. É possível notar a montanha-russa de emoções que o personagem enfrentava, dividindo-se entre algumas ocasiões felizes de aproveitamento da juventude e outras mais sofridas de culpabilização pelo destino de Rémi.

Conciliar o fluxo imparável da vida e o trabalho emocional diante de uma grave perda não é uma tarefa simples. As dificuldades se materializam em Leo e nos pais de Rémi, pois os três aparentemente seguem suas vidas enquanto lidam com os vazios que carregam e sempre carregarão. As sutilezas iniciais fazem as emoções se manifestarem na composição dos planos, no uso alegórico de vários acontecimentos e nos pequenos gestos ou olhares das pessoas, porém nem elas conseguem se manter eternamente. “Close” também consegue se abrir para o melodrama quando os sentimentos extravasam mais diretamente, em especial na relação de Leo e da mãe de Rémi, pontuada por cenas em que lágrimas, desabafos e abraços dão o tom dessas interações. Nem por isso, o filme oferece respostas ou soluções para o drama colocado porque as dores ainda estarão presentes, como fica latente na última vista de Leo à casa vazia de Rémi. Por essa abordagem sutil e complexa, o filme de Lukas Dhont tem seus méritos ao desencadear comentários e expectativas em torno dele.

*Filme assistido durante a cobertura da 24ª edição do Festival do Rio (24th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).