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“CLOUDS” – Porque sim

Não há muito em CLOUDS que já não tenha sido visto em “A culpa é das estrelas”, filme que se tornou paradigma do estilo romance teen permeado por um drama de saúde. A produção original Disney+ tem dois diferenciais – basear-se em fatos e forte presença de músicas (flertando com o gênero musical) -, porém eles não são suficientes para que ele seja marcante como o longa de 2014. Ainda na comparação, enquanto “A culpa” não tem a pretensão de responsabilizar nada pelas tristes circunstâncias de seus heróis, “Clouds” martela demais questões cuja resposta é apenas “porque sim”.

Zach Sobiech sonha em ser músico, porém não canta suas próprias composições quando se apresenta. Lutando contra um câncer raro, sua condição piora e ele tem pouco tempo de vida – tempo que ele decide aproveitar para concretizar seus sonhos e desejos mais profundos.

(© Disney+ / Divulgação)

A mãe de Zach, Laura, escreveu o livro que baseou o roteiro de Kara Holden. O texto é singelo, sem um plot twist impactante como o de “A culpa é das estrelas”. Torna-se, assim, mais um genérico do tipo “Agora é para sempre” (2012) e “Tudo e todas as coisas” (2017). Nenhum deles tem o charme especial do filme de 2014, que se preocupa em cativar o público com sua protagonista.

Se “Clouds” tem um protagonista encantador, o mérito é de seu intérprete, Fin Argus, dotado de um carisma notável. A história de um adolescente com câncer é suficientemente comovente, bastando colocar um rosto bonito (como todos os filmes fizeram) para estimular a empatia do espectador. A narrativa de Zach não se reduz ao romance que ele quer viver, porém os sonhos que ele deseja realizar dividem em demasia o espaço com sua namorada, Amy (Madison Iseman, discreta). Melhor seria se o filme não tivesse a personagem.

Amy conduz junto a Zach um lado doce da trama, mas que não é nada inovador. Muito mais interessante é seu desejo de ser um músico. Na bela cena do show do Jason Mraz, por exemplo, encanta mais o pensamento exteriorizado do protagonista, que se imagina no lugar do astro, do que sua declaração à amada ao som de “I’m yours”. Sobra pouco espaço para mostrar quem Zach realmente é. Aparentemente seguro (subindo ao palco antes da amiga, para ela ter mais tempo de preparo psicológico), sabe-se que suas composições são praticamente escondidas (e somente lidas pela mãe), o que fica na trama apenas como menção.

Após uma sequência piegas em uma viagem da família de Zach, ele retorna mudado, algo que sua amiga, Sammy (Sabrina Carpenter, ótima) percebe e serve de catapulta para que eles coloquem nos trilhos os seus sonhos. Não é explicado o porquê de tal mudança (a não ser que se aceitem explicações mitológicas), não sendo possível afirmar por que ele passou a aceitar desenvolver as próprias composições. Assim, a primeira parte do filme é vaga: pouco é mostrado sobre quem realmente é Zach, para além de um adolescente lutando contra um câncer, apaixonado por uma colega de escola e que sonha em ser músico. Na segunda parte, o longa melhora, mas não sai das obviedades dos beats contrapostos que ocorrem desde o começo.

Assim, Justin Baldoni dirige burocraticamente a película, dividindo-a em cenas ou sequências alegres (a do Jason Mraz) seguidas de cenas ou sequências tristes (a que Zach passa mal no banheiro). O problema nem seria esse se não fosse a dificuldade em sair dos três aspectos da vida do protagonista: ele tem bons momentos com a namorada, sofre com o osteosarcoma ou diverte-se com a amiga. Nada mais. Os espaços que ampliam esses horizontes, como o relacionamento do garoto com o pai e o relacionamento dos próprios pais, são escassos e breves. Falta a “Clouds” momentos como o que Grace recebe o controle remoto do irmão.

O filme tem metáforas pobres – o risco no gramado separando Zach do Sr. Weaver (Lil Rel Howery), como se houvesse um muro separando suas realidades, os relógios que incomodam o sono do protagonista etc. – e um discurso possivelmente ambíguo. É positivo que questione a sensação de invencibilidade (talvez eternidade fosse um termo mais preciso) dos adolescentes, mas a produção não se decide entre o carpe diem e o plantar para se colher no futuro. Não que fosse necessário fazer uma escolha, mas é uma dúvida enfrentada por Zach que ele não é capaz de solucionar. Nas entrelinhas de uma obra melosa com músicas edulcoradas está também uma questão extremamente complexa: o que Zach fez para ser acometido de uma doença tão cruel? Por que ele padeceu desse mal? É decepcionante que o filme proponha tais reflexões de maneira superficial em demasia, cedendo tempo para um romance pouco agregador no plot principal.