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“COBRA KAI” [3ª TEMPORADA] – Decisão suprema

* Clique aqui para ler a nossa crítica das duas primeiras temporadas.

De acordo com Robert McKee, a crise é a parte do design de uma história em que a maior das decisões precisa ser tomada pelos personagens. Ao chegarem ao fim da linha, ao ponto de pressão máxima de suas vidas, uma última ação é necessária para enfrentar o dilema apresentado. A definição desse elemento na estrutura de um roteiro parece se encaixar com a terceira temporada de COBRA KAI, pois a série alcança o estágio em que todos precisam lidar com seus próprios momentos de fraqueza e de erros após os últimos incidentes da temporada anterior. 

(© Netflix / Divulgação)

Semanas depois da violenta briga na escola que colocou a vida de Miguel em risco, tudo se encontra em crise. Miguel está em coma e há dúvidas se ele voltará a andar; Robby fugiu para não ser pego pela polícia; Sam está traumatizada após os trágicos acontecimentos; e o próprio caratê passa a ser mal visto pela comunidade como algo que estimula a violência. Diante de tudo isso, Johnny busca redenção e Daniel procura respostas em seu passado, enquanto Kreese manipula os alunos de Cobra Kai com sua visão deturpada de força e vitória. 

Os novos episódios exigem que Daniel e Johnny enfrentem suas falhas e responsabilidades pelo que ocorreu no colégio, precisando encontrar meios para deixar seus momentos descendentes. Além da culpa que ambos carregam, Larusso deve encarar os problemas de sua concessionária, e Lawrence, reorientar sua vida para ser um verdadeiro pai para Robby – acima de tudo, eles são submetidos às forças do antagonismo mais poderosas, ou seja, às demonstrações de que sua rivalidade pode destruir outras pessoas. Os dois personagens, portanto, continuam atormentados pelo passado apesar de tentarem uma trégua (o engraçado capítulo em que procuram Robby), pois enxerga apenas no outro a culpa por todos os males ocorridos e nenhum acredita que o outro pode mudar. Nesse sentido, a dinâmica entre William Zabka e Ralph Macchio é essencial para aceitar as disputas entre seus personagens e a dificuldade de se entenderem. 

É interessante notar como os criadores Robert Mark Kamen e Josh Heald ainda inserem eventos dos filmes da franquia “Karatê Kid” na narrativa. Para Daniel, o passado vem através de flashes de cenas emblemáticas que ocupam parte do quadro e servem como um guia de inspirações para ele – especialmente, quando visita Okinawa, cidade natal do senhor Miyagi e se reencontra com figuras do terceiro filme. Para Johnny, seu presente é entrecortado por personagens de sua juventude e situações passadas que o desafiam a não repetir o passado – isso acontece no dia que reencontra uma antiga namorada e em todas as cenas em que confronta Kreese. Por sinal, o antigo sensei também tem sua juventude revelada, mas os flashbacks de sua passagem pelo Vietnã são estratégias pobres de utilizar o passado, já que as tentativas de humanizar o vilão se enfraquecem diante da necessidade de explicar até o que não precisa ser explicado. 

Quando se trata de uma crise no roteiro ou na vida dos personagens, há também a percepção de que o estado de todos é o de uma oportunidade perigosa, na qual uma ação ruim pode colocar tudo a perder. Ao longo dos dez episódios, o que fica em jogo é o destino de Miguel, Sam, Robby, Tory, Hawk e demais jovens de cada dojo, que sofrem com a animosidade de Larusso e Lawrence e com os desdobramentos da briga no fim da segunda temporada. Nesse novo ano, as brigas seguem o mesmo princípio da sequência da escola: refletem uma violência crescente típica de gangues e incompatível com o sentido do caratê que, embora não amplie a escala do desfecho da temporada anterior, retrata o descontrole dos adolescentes através dos golpes e dos cenários. Desse modo, a presença de Kreese se mostra mais maléfica ao usar um discurso belicoso para treinar e influenciar os alunos. 

Ao nos aprofundarmos nos arcos dramáticos dos jovens, os riscos dentro desse período de grande tensão ficam evidentes. É bem verdade que nem sempre os personagens possuem tempo de tela suficiente para manter sua importância narrativa e dar maiores nuances à evolução (por exemplo, Miguel, no início de sua recuperação, e Robby, durante o tempo na prisão), porém todos apresentam conflitos específicos. Tais embates adquirem novas composições (a condição física de Miguel, os traumas de Sam e a marginalização de Robby e Tory) e ainda preservam a perspectiva dos efeitos danosos que o passado pode gerar para o presente, quando a exclusão social e o bullying podem impulsionar os adolescentes a agirem agressivamente. 

Como os conflitos muitas vezes se desenvolvem de forma articulada, os núcleos dialogam e entrelaçam os personagens. Através da montagem, aparecem nas falas de Larusso, Lawrence e Kreese suas definições para arte marcial; e a importância de fazer alianças para derrotar o inimigo falada por Sam e Miguel ecoa na interação entre Daniel e Johnny. A partir da alternância entre os segmentos, é feita uma construção dramática que pode não ser original, mas os clichês são empregados com eficiência: a trilha sonora funciona para o humor e o drama; o carisma de Xolo Maridueña e Mary Mouser é potencializado; a revolta angustiada de Tory e Robby é evocada por Peyton Roi List e Tanner Buchanan; e a complexidade da jornada de Hawk ganha força através do expressivo Jacob Bertrand

As definições clássicas de estrutura de roteiro oferecem outros elementos para pensar como a terceira temporada de “Cobra Kai” se assemelha ao momento de crise de uma história. Todos os personagens percebem que uma decisão suprema é necessária, a última a fazê-los se aproximarem de seu objeto de desejo (objetivo), inclusive se unirem com quem parecia ser o inimigo para deter a ameaça real. Além disso, a crise também faz emergir o valor central da trama, uma dimensão temática que perpassa uma narrativa com ação, humor e reviravoltas. Ainda que a série adicione os dispensáveis flashbacks de Kreese, nada mais sugestivo do que ver as últimas cenas representarem que o passado nem sempre serve como guia de referências, mas como um período que deve ser transformado para deixar o futuro mais promissor.