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“COMO ESTÁ KATIA?” – Com um roteiro melhor… [46 MICSP]

COMO ESTÁ KATIA? é um filme sobre planos traçados, oportunidades perdidas, circunstâncias (des)favoráveis e poder e dinheiro. Pode parecer uma quantidade grande demais de ingredientes, o que se torna um risco com um plot nada original, mas uma direção consistente e uma atuação principal soberba garantem qualidade ao longa.

Mãe solo e com uma rotina intensa como paramédica, Anna fechou a aquisição de um novo apartamento, na esperança de uma vida melhor com sua filha Katia. Quando a menina sofre um acidente, Anna mergulha em uma espiral de tristezas e dificuldades da qual não consegue sair.

(© 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo / Divulgação)

Antes de tudo, o filme depende de uma atuação de alto nível de sua protagonista, que é o que Anastasiya Karpenko entrega com louvor. Do contrário, o resultado seria pífio, dado que o roteiro de Natalia Blok, Julia Gonchar, Serhii Kastornykh e Christina Tynkevych (esta diretora do longa) não é em nada original. Karpenko oferece uma interpretação visceral de uma mulher cuja vida é difícil antes do acidente – moradia compartilhada, saúde mental debilitada da mãe, ausência de alguém com quem compartilhar os cuidados de Katia, compromisso financeiro recém assumido e trabalho exaustivo – e que se torna sufocante após o evento.

A atuação de Karpenko é tão primorosa que é possível perceber a progressão de seus sentimentos. No primeiro ato, é ressaltada a feliz relação entre mãe e filha: elas fazem planos e dançam e cantam na obra do apartamento, Katia se propõe a ajudar na economia para a nova residência e o futuro parece radiante. Em seguida, o acidente coloca Anna em estado de racionalidade – afinal, ela é médica -, o que vai se tornando mais severo à medida em que seu contexto piora (financeiro, por exemplo) até que ela parece estar completamente anestesiada pelas intempéries que, aos poucos, a derrubam.

Entretanto, não é apenas a atuação da protagonista o destaque do longa. Em sua primeira direção de um longa de ficção, Tynkevych apresenta um resultado impressionante se considerada justamente a estreia. Consciente da importância do espaço que deve dar a Karpenko, o que a cineasta faz é, de um lado, empregar bastante câmera na mão, imprimindo naturalismo às cenas (e dando coesão ao ritmo, como no trabalho de Anna, quando a aceleração é imperiosa), e, de outro, reduzir a profundidade de campo, geralmente com a atriz em primeiro plano. O resultado é excelente porque aproxima o público de Anna para que sinta, com a maior fervura possível, as ondas que cada vez mais afogam a personagem.

Uma menção especial que merece ser feita se refere à cena do bar. Tynkevych utiliza ferramentas que já havia utilizado antes (pouca profundidade de campo, enquadramento em primeiro plano etc.), porém adiciona outras que fazem enorme diferença: a câmera se mexe alucinadamente tal qual a protagonista, no desespero de “esquecer tudo” – e, não à toa, essas palavras são ditas e repetidas na música que faz com que ela se entregue à pista. Há momentos excelentes, como os planos silenciosos, resumidos a ruídos diegéticos (piso rangendo, vento, motocicleta na rua etc.) e o foco em uma pensativa Anna, mas a cena do bar é brilhante.

É uma pena que o mesmo brilhantismo não se faz presente no roteiro. A narrativa é linear e previsível, o que poderia ser diferente se houvesse maior ousadia em mostrar o outro lado. A opção por resumir o ponto de vista ao de Anna é coerente, porém nesse caso as aparições de Marina e Irina deveriam ter outra abordagem (por exemplo, sem mostrar seus rostos).

Não é problemático que o filme seja sobre o que Anna planeja construir para a filha e que talvez não consiga concretizar, sobre a oferta que a protagonista não aproveita e que poderia ter mudado a sua situação (e a de Katia), sobre a mudança de comportamento de seu namorado (antes e depois do acidente e de Anna precisar da sua ajuda) e nem mesmo sobre a influência do poder e do dinheiro dentro das instituições. O problema é a completa inexistência de originalidade, somada a uma previsibilidade quase entediante. Se com uma repetição narrativa Tynkevych e Karpenko entregam uma obra muito boa, qual seria o resultado com um roteiro melhor?

* Filme assistido durante a cobertura da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.