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“CONFINADO” – O diferencial que não existe

A ideia de um plot no qual um furto ou roubo não ocorre como planejado, levando o agente responsável pelo crime a sofrer ainda durante a sua execução, não é original. Para ser bom, porém, o filme precisa ter algum diferencial que lhe dê realce diante dos semelhantes. Definitivamente não é esse o caso de CONFINADO, um longa cuja previsibilidade o torna extremamente tedioso.

Eddie precisa de dinheiro para pagar o conserto de sua van, com a qual trabalha. Sentindo-se sem opção, ele decide tentar furtar carros estacionados nas ruas. Ao encontrar um veículo de luxo aberto, ele acredita que a empreitada deu certo. Porém, o proprietário do carro, William, não deixará que Eddie saia ileso.

(© Diamond Films / Divulgação)

É dentro do carro que se passa a maior parte do longa de David Yarovesky. Com uma carreira ainda iniciante e mais voltada ao terror, o cineasta tem em “Confinado” um thriller cuja restrição de cenário dificulta a tensão. Em tese, o Dolus, automóvel especialmente criado para o filme, poderia guardar surpresas, mas não é bem isso que ocorre. Na prática, é um carro extremamente blindado do mundo exterior (e de ameaças internas) e com um pouco crível controle à distância (quase como um videogame), nada mais. Isto é, Eddie poderia destruí-lo ou abrir compartimentos para descobrir itens ocultos, por exemplo.

Se não é o veículo que traz o diferencial, essa função poderia ser executada pela interação entre Eddie e William. Contudo, também não é esse o caso. Nas atuações, enquanto Bill Skarsgård tem em Eddie uma personagem sem profundidade, Anthony Hopkins provavelmente aceitou o papel de William apenas porque a remuneração valeria a pena para pouquíssimo trabalho. Skarsgård está em todas as cenas e deveria cativar o espectador, mas Eddie não é uma personagem que estimula a identificação cinematográfica secundária. Ele é um pai desidioso e uma pessoa com antecedentes criminais, não há motivos para que o espectador simpatize com ele. Evidentemente, isso não significa que ele merece a tortura infligida por William, mas ele não é o protagonista mais carismático.

O roteiro de Michael Arlen Ross (elaborado a partir do script de Mariano Cohn e Gastón Duprat, do filme “4×4” do qual “Confinado” é remake) cria, contudo, aspectos na personalidade de Eddie que o tornam vulnerável e, portanto, mais próximo do carisma almejado. São eles: a discrepância entre o protagonista e o antagonista, a empatia de Eddie e seu afeto sincero pela filha. De fato, perto da crueldade de William, Eddie parece um ser humano afável, alguém capaz de dar água para um cachorro com sede e que se compadece dos que sofrem as agressões do vilão. Além disso, existe um abismo socioeconômico entre os dois, o que vilaniza mais o antagonista e ameniza a conduta do protagonista. Os dois travam um diálogo raso sobre justiça social que não leva a lugar algum, mas que denota uma tentativa de dar substância ao roteiro. Quanto à filha, em um momento crucial é fácil perceber que Eddie realmente a ama, apesar de seu comprometimento com ela estar constantemente abalado.

Não obstante, nenhum desses aspectos o tornam realmente heroico. Se é verdade que ele é desumanamente vitimizado por William, não é menos verdade que ele fazia algo errado. Todavia, a questão não é se ele merecia passar pela violência pela qual passa (afinal, ninguém mereceria tamanha dor); a questão é que a batalha entre os dois, idealizada como um embate psicológico, é na realidade um splatter bem brando (próximo de revenge ou torture porn), cansativo e excessivamente previsível. Eddie entra em uma espiral de sofrimento com o objetivo conspícuo de um aprendizado enobrecedor, algo que não funciona, primeiro, pela previsibilidade, e, segundo, porque o aprendizado não é convincente. Quando o filme acaba, por mais que o roteiro afirme que o protagonista aprendeu com seus erros, mediante uma atitude concreta, o que parece não é uma mudança de mentalidade, mas um ato impulsivo e irrefletido (SPOILER: se ele depende da van para o trabalho, não faz sentido que se desfaça dela com tamanha facilidade. Dar prioridade à filha é coerente, mas não daquela forma).

O tipo de enredo de “Confinado” pode ter como diferencial uma subversão de gênero – por exemplo, saindo do suspense e adentrando no terror (“O homem nas trevas”), na comédia (“Esqueceram de mim”) ou no drama psicológico (“Dentro”) – ou uma trama mesmerizante (casos de “O quarto do pânico” e “Um dia de cão”, filmes imprevisíveis que elevam a tensão). Ou seja, existem ferramentas – alguma particularidade – pelas quais a mesma premissa pode catapultar o filme a um patamar que o torna envolvente. O que a produção apresenta, entretanto, é um martírio atroz cujo significado não ultrapassa a sua própria torpeza. A emoção estimulada pode ser de repulsa diante do ódio de William, mas a repulsa é reduzida diante da diminuta verossimilhança quanto ao modo como esse ódio se traduz. Na falta de um diferencial, o filme se torna opaco e esquecível.