“CORONATION” – Melhor assistir ao noticiário [44 MICSP]
Em visão macroscópica, CORONATION é um filme que percorre uma narrativa com começo, meio e fim bem claros, com uma mensagem cristalina e um senso aguçado de realidade. Isso é tudo verdade. Na ótica microscópica, contudo, parece uma colcha de retalhos sem consistência e consideravelmente chata.
O longa aborda o controle do Estado chinês durante o lockdown decretado em Wuhan em razão da pandemia por covid-19. A cidade foi onde se confirmou o primeiro caso do novo coronavírus (sars-cov-2), de modo que o filme se debruça sobre a resposta governamental para o controle da pandemia na cidade.
Não há dúvida que a pandemia por covid-19 é um marco para a História da humanidade. A proposta de Ai Weiwei é superficialmente ambiciosa, pois a curiosidade sobre a atuação governamental em Wuhan é universal – não apenas em razão da proporção do evento histórico, mas também para saber como agiu o governo chinês. Entretanto, o filme decepciona pelo ritmo extremamente lento e, principalmente, pela ausência de surpresa.
Através de muitos planos aéreos, o cineasta sugere a grandiosidade da pandemia, ou, de outro ponto de vista, a pequenez humana diante de um coronavírus catastrófico. As incontáveis tomadas aéreas também servem para mostrar a cidade vazia, ou então letreiros brilhantes à noite (que apenas arrastam ainda mais a película). Repetitivo, o filme se torna deveras entediante ao exibir pessoas (em geral, profissionais da saúde) com os trajes de proteção que mais parecem escafandros descartáveis.
Muitos dos fatigantes cento e quinze minutos do longa poderiam ser poupados por uma montagem mais ágil ou cenas de maior utilidade. Por exemplo, há uma sequência em que o público acompanha um médico no hospital de campanha em seu trabalho, incluindo a colocação e a retirada de boa parte do traje. Não é necessário gastar tanto tempo para algo que é absolutamente visível. Se é simbólico o mar branco com alguns pontos azuis, torna-se difícil manter o foco diante de tamanha monotonia. Existem algumas metáforas de realce, como os peixes mortos (um prenúncio da fatalidade do sars-cov-2), e cenas que podem impressionar (principalmente as que ocorrem no hospital), porém sobram momentos que apenas elastecem desnecessariamente a duração do filme, como a de entrega de leite a farinha para uma escola.
Além disso, o filme não se preocupa em utilizar uma linguagem minimamente didática, de sorte que não explica adequadamente os locais e as pessoas que dele participam. Quando uma mulher critica a má gestão do governo, não se sabe praticamente nada sobre ela, ou seja, é uma pessoa praticamente anônima apresentando argumentos genéricos contra o governo (salvo em relação ao sogro). Da mesma forma, o homem que é mantido no hospital não tem fundamento nenhum para alegar que está lá para a redução da taxa de mortalidade.
Não teria cabimento esperar o contraditório em razão da proposta do filme – leia-se, o governo chinês certamente não se daria ao trabalho de contrapor as críticas. Contudo, ele se revela tão raso quanto uma matéria jornalística em que pessoas quaisquer reclamam do aumento generalizado dos preços sem explicar (a matéria) o contexto inflacionário (exemplo meramente ilustrativo). Faltou aprofundar mais o tema, adentrar no cerne da questão, quiçá com funcionários do próprio governo denunciando-o pela alegada negligência em relação ao potencial pandêmico do novo coronavírus. É evidente que isso seria difícil, mas seria algo que tornasse a obra memorável.
Igualmente, as cenas com potencial dramático não conseguem comover. O lockdown não foi exclusividade de Wuhan e a distância da família (que ocorreu com o operário de construção civil) é um mal que acometeu inúmeras pessoas no mundo todo. Os moradores locais podem ter ficado assustados, mas a situação não foi muito diferente em outros países, já que a circunstância como um todo era novidade até mesmo para a comunidade científica.“Coronation” seria memorável se apresentasse dados fidedignos sobre os pacientes diagnosticados com covid-19, sobre a punição da equipe médica (que divulgou as informações acerca do vírus) e sobre a ocultação deliberada da gravidade do novo coronavírus. Porém, o filme não tem essa ambição. O que ele quer é apenas mostrar que Wuhan passou por cuidados (medidas protetivas dos profissionais de saúde, ruas desinfetadas, isolamentos etc.) muito semelhantes aos adotados no resto do mundo. Qualquer noticiário cumpriria o mesmo objetivo.
* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.