Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“CORVOS” – Frieza integral [44 MICSP]

Para se obter vantagens, não raras vezes é preciso se arriscar. É uma regra dos jogos, mas também uma regra da vida. O risco, no entanto, aumenta tanto os ganhos possíveis quanto também as perdas possíveis, na mesma proporção. O protagonista de CORVOS está ciente de tais possibilidades. O que não parece ser de seu conhecimento é que ele é um desconhecido do público. Quando o filme acaba, continua sendo.

Yasha é um caçador de pássaros que encontra, enterrado na neve, o corpo de um homem famoso na cidade. Sem ter consciência, inicialmente, dos perigos, ele se envolve em uma fraude de trezentos bilhões de tomans quando obtém pistas que o levam aos responsáveis pela morte.

O prólogo primoroso do filme de Naghi Nemati cria a expectativa de uma obra impecável. A edição de som é esplêndida: ouve-se do uivo do vento à queda dos flocos de neve. A ausência de diálogos não é, de forma alguma, um problema. Está tudo branco, até mesmo o capuz de Yasha, de cor preta. No meio de muita neve, a terra cobrindo o corpo que o protagonista encontrou. Começa o mistério.

A trama, contudo, é demasiadamente lenta e não forma a teia prometida – sem desconsiderar, ainda, que não é das mais originais. Em verdade, “Corvos” é uma história simples em que todos querem tirar vantagem, prevalecendo o desejo de quem conseguir ser mais esperto que os demais. Nos oitenta minutos do longa, não há desenvolvimento de personagens, tampouco se desenvolve uma narrativa instigante, mas uma estória facilmente esquecível.

Através de rimas visuais, o público acompanha parte da rotina de Yasha (o banho de sauna, os ovos crus etc.), o que se torna enfadonho por não se saber ao certo quem é ele. Fica evidente que ele faz parte de algo maior (o que é representado, metaforicamente, por seus passos lentos na imensidão nevada), porém o filme é superficial em relação a ele – o que é fundamental, pois a narrativa parte da sua perspectiva. Se ele for enganado, também o será o espectador.

Yousef Yazdani parece se dedicar ao papel, mas também percebe que tem pouco material em mãos. Sabe-se que Yasha tem uma conexão quase espiritual com os pássaros (algo indicado, inclusive, pela tatuagem que tem em suas costas), não muito mais do que isso. Colocá-lo como alguém externo à fraude, no olho do tornado, não seria o problema se ele fosse minimamente carismático. O espectador olha para ele, todavia, com indiferença, o que se torna fatal para a produção.

Por seu turno, Goli Alafar revela potencial ao contracenar com Yazdani, mas suas cenas são curtas. No caso dela, o mistério acerca da personagem é benéfico, já que não se trata da protagonista. Além disso, torná-la enigmática permite que haja uma pendência acerca da sua confiabilidade perante a plateia.

De todo modo, de nada adiantam o formidável design de som e a belíssima fotografia – ora gélida, com o branco, ora sombria, com cores escuras (cinza e preto) – se eles pouco agregam à obra como um todo. O resultado final é tão frio quanto a estética da produção, uma frieza integral.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.