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“CRIANÇAS DO SOL” – Caça ao tesouro [44 MICSP]

Dificilmente alguém não gostaria de encontrar um tesouro. Ali, o protagonista de CRIANÇAS DO SOL, não é meramente uma criança indevidamente induzida a buscar um tesouro, mas uma criança que não sabe que já tem o seu tesouro.

Ali tem apenas doze anos, mas já garante o próprio sustento. Seus três amigos não vivem situação muito diferente; juntos, trabalham em uma borracharia e cometem pequenos crimes para ganhar dinheiro. Quando parece que Ali vai ser punido por um homem poderoso da região onde mora, o que o homem quer é um serviço: que os quatro meninos se matriculem na Escola do Sol, instituição que educa crianças de rua, cuja estrutura é ligada a um túnel que leva a um tesouro escondido.

(© Celluloid Dreams / Divulgação)

O enredo de Nima Javidi e Majid Majidi é capaz de, pelo menos em princípio, causar a curiosidade do público. O primeiro terço de filme é bem dirigido por Majidi. No prólogo, uma ótima cena de ação. Nela, a urgência é exteriorizada por movimentações rápidas de câmera em planos fechados, uma quantidade considerável de cortes e ocularização subjetiva. Não muito tempo depois, Majidi ressalta que, a despeito do que os quatro garotos fizeram, eles ainda são crianças que querem se divertir, nada mais.

O principal problema, todavia, acaba sendo o desenvolvimento da narrativa, que é demasiadamente cansativo e repetitivo. O script é substancialmente baseado na empreitada de Ali e seus amigos em busca do tesouro enterrado, então são inúmeras as cenas em que eles estão desobstruindo o caminho para chegar até ele. É uma oportunidade para o diretor gerar suspense, por exemplo, pela falta de luminosidade (será o túnel um arco-íris, que no fim tem um pote de ouro?) e pela razoável trilha musical. Contudo, o suspense se torna desinteressante na medida em que não evolui, são obstáculos intermináveis que não se sustentam por força da fragilidade das subtramas.

Ainda que existam subtramas no roteiro, elas são extremamente frágeis. A condição da mãe de Ali é mal explicada e o arco dramático não se desenvolve. O interesse escuso do diretor da escola em “práticas extracurriculares” (expressão que evita spoilers) tem potencial, mas acaba sendo um subplot abandonado. Existe ainda um subtexto sobre famílias afegãs no Irã, que, igualmente, é pouco abordada para além dos interesses internos à trama. Por outro lado, é de se elogiar o roteiro no que se refere à condição das crianças em situação vulnerável como Ali e seus amigos – de todos os assuntos da película, este é o mais rico e o mais envolvente.

A Escola do Sol acaba sendo um refúgio para crianças e adolescentes precocemente marginalizados. Em geral, os infantes não têm pais zelosos (mortos, ausentes, presos etc.), o que os coloca nas ruas e em situação de marginalização social, na porta da criminalidade. É nesse contexto que o homem misterioso vivido por Ali Nassirian recruta Ali (e, por consequência, seus amigos) para a difícil e cansativa tarefa de encontrar o tesouro. Na primeira vez em que eles se encontram no filme, nos primeiros minutos, o homem parece desprezar o garoto – quase não olha para ele, continua o que está fazendo e chega até mesmo a coçar as nádegas, revelando completo desprezo -, porém este pode lhe render frutos em uma parceria benéfica para ambos.

Mas Ali não é ingênuo, ele sabe que o homem não dividiria nada com ele. Roohollah Zamani é um verdadeiro espetáculo no papel do protagonista, fazendo com que a esperteza da personagem não pareça inverossímil e que soe simpática. O maior trunfo do filme é o elenco, destacando-se Zamani porque convence bem na perspicácia incomum para um pré-adolescente. É essa virtude que convence o Sr. Rafie (Javad Ezati, outro que merece aplausos) a colocá-lo na escola (juntamente com os outros do grupo), percebendo que Ali tem algo que o distingue dos outros da sua idade.

Situação semelhante é a de Zahra, interpretada pela também ótima Shamila Shirzad. Percebe-se um padrão de sagacidade para crianças marginalizadas, o que parece consequência inevitável em razão da situação em que se encontram. Ali é o líder do grupo e exerce bem o papel de liderança (dando ordens, proferindo ameaças, confiscando objetos etc.); como bom herói clichê (que não é entediante por se tratar de um pré-adolescente), tem sua personalidade abalada por um interesse afetivo.

A produção é relativamente modesta, com poucos recursos técnicos. Em geral, comove mais pelo elenco (como na cena envolvendo Zahra e Sr. Rafie) do que por outros fatores. A cor amarela (na escola e no fio, por exemplo) serve para representar o tesouro que é buscado por todos, mas que não é o mesmo tesouro que Ali já tem sem perceber. É o que o Sr. Rafie percebeu no menino: o tesouro está nele mesmo.

* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.