“DE REPENTE UMA FAMÍLIA” – Estou tão feliz por ter te encontrado, não vou te perder
Para quem gosta de filmes extremamente adocicados, DE REPENTE UMA FAMÍLIA é uma indicação sem erro. Misturando um pouco de comédia com um suave drama comum, a bem-intencionada e previsível produção é simplista nas temáticas que aborda, mas pode ser capaz de emocionar uma plateia sensível a elas.
Mark Wahlberg e Rose Byrne interpretam Pete e Ellie, um jovem casal que decide adotar uma criança. Durante o procedimento preparatório da adoção, eles conhecem Lizzy, uma adolescente de personalidade forte que – justamente por isso – os encanta. Como os laços não podem ser cortados, o casal acaba aceitando adotar também os dois irmãos mais novos de Lizzy, começando uma nova fase de suas vidas com três novos integrantes na família de uma só vez.
![](http://www.nossocinema.com.br/wp-content/uploads/2018/11/instant-family-CARTAZ.jpg)
Do ponto de vista dramático, Byrne é uma atriz muito melhor que Wahlberg, que é apenas experiente. Entretanto, claramente o papel dele tem mais relevância na trama: enquanto Ellie é apenas emoção – seja para brigar com as crianças, seja para se comover com elas -, Pete é razão e emoção. Não é à toa que a ele cabe a decisão de adotar, pois ela cede quando ele diz não e ele somente cede quando se comove com o que vê no computador dela. Ellie consegue um momento bastante terno com Lizzy, penteando seu cabelo, mas é Pete quem tem a ideia de como acalmar a adolescente, além da ideia de conversar com uma jovem que conheceram em uma palestra. A dúvida que fica é: seria o roteiro de Sean Anders e John Morris machista ou a intenção era privilegiar um ator mais conhecido e que sozinho faz mais bilheteria?
Provavelmente, a resposta está na segunda opção, por diversas razões. Primeiramente, o texto tenta se afastar de qualquer viés discriminatório, enfatizando, textual e visualmente, as diversas formas de configuração familiar – tanto um casal gay quanto uma mulher solteira aparecem como pleiteantes pela adoção. No caso específico das mulheres, as personagens de maior relevo são majoritariamente femininas: além de Byrne, Octavia Spencer e Tig Notaro são assistentes sociais dedicadas e solícitas, tendo elas perfis bastante distintos (embora o figurino as coloque com cores muito similares), movendo a trama e servindo também como alívio cômico (especialmente Spencer, cujo carisma garante simpáticos papéis secundários em diversas produções).
Além disso, dos três acolhidos por Pete e Ellie, Lizzy (Isabela Moner) e Lita (Julianna Gamiz) são meninas geniosas, enquanto Juan (Gustavo Quiroz) é o frágil, ou seja, há uma inversão de papéis em relação a uma visão estereotipada. Juan é sensível e inseguro (sem contar desastrado, rendendo boas cenas de humor); Lita, zangada e irritadiça; Lizzy, amarga e desiludida. A adolescente, inclusive, faz um contraponto interessante em relação aos infantes, impedindo que a narrativa se torne unidimensional. Por derradeiro, considerando que Anders dirigiu “Pai em dose dupla” (1 e 2), parece que Wahlberg se tornou seu favorito, o que explica os holofotes no ator em detrimento de Byrne.
No elenco está também a ótima Margo Martindale como Vovó Sandy, no clichê da avó que mima os netos, enxerga o filho como criança e trata a nora com alguma frieza. É a personagem responsável por ensinar a diferença entre a conduta de quem odeia e a de quem acha que não é amado, sendo uma boa oportunidade para problematizar os relacionamentos familiares. Entretanto, a narrativa não é boa em tornar seu plot complexo, perdendo diversas oportunidades nesse sentido, salvo no conflito entre a genitora e a nova família, que é bem trabalhado graças primordialmente a Lizzy (mas também à desmistificação da mãe que perde a autoridade parental, que não é retratada como símbolo de desídia pura). A rigor, é a adolescente que promove as melhores e mais verossímeis problematizações. Por exemplo, quando Pete e Ellie dão uma lição a seus familiares, embora o texto seja elogiável em seu conteúdo, a sua forma não convence (tampouco as respectivas interpretações).
No que se refere à forma, Sean Anders não é um diretor de grandes predicados. No entanto, “De repente uma família” se esmera na montagem, com raccords que usam um elemento visual de um plano na transição para o plano seguinte (recurso usado diversas vezes, com o único equívoco do abandono em determinadas sequências, chegando a mudar o método de transição para a fusão) e inteligente uso de jump cuts na cena da primeira noite de Lizzy, Juan e Lita na casa de Ellie e Pete.
O longa tem vocação didática, mas não possui habilidade questionadora. Enquanto objeto de estudo, a adoção é bem trabalhada no aspecto pedagógico, mas comete uma contradição (referente à moça da palestra, que quase esvazia a mensagem). Ainda, a abordagem é deveras rasa, como na palestra em que Pete e Ellie vão, que é uma cena rápida demais para gerar impacto. Assim, o filme funciona muito bem como feel good movie, no drama, porém, não consegue atingir a ênfase desejável.
Obs.: o título da presente crítica se refere à tradução livre de versos da música “Nothing’s gonna stop us now” (Starship), que compõe a trilha musical do longa e poderia facilmente ser sua música-tema, tendo em vista a fácil associação simbólica entre as obras.
![](http://www.nossocinema.com.br/wp-content/uploads/2018/03/def2.png)
![](http://www.nossocinema.com.br/wp-content/uploads/2018/03/cest-moi.jpg)
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.