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DEUS É MULHER E SEU NOME É PETÚNIA – Faltou sabedoria [43 MICSP]

Um pouco atropelado, DEUS É MULHER E SEU NOME É PETÚNIA retrata a luta de uma mulher contra uma sociedade machista. Mais precisamente, o machismo incrustado na Macedônia e justificado através da religião. Dentre muitos outros temas, em uma direção insatisfatória. A película vale mais pelos seus temas e pelo elenco do que por outros elementos.

A protagonista, Petúnia, está em um dia comum da sua vida, brigando com sua mãe e se submetendo a uma entrevista de emprego. Sua vida muda completamente quando ela vence uma competição que ocorre em uma cerimônia religiosa e cuja participação é permitida apenas a homens.

Cartaz de “Deus é mulher e seu nome é Petúnia

Zorica Nusheva se revela uma boa escolha para o papel principal, uma vez que não recai no lugar-comum do histrionismo ao levantar a bandeira feminista. Petúnia sem dúvida é uma mulher feminista, ainda que não se veja como tal. A mera participação na competição já denota uma ousadia extraordinária, vencê-la vai muito além, humilhando os homens que, desesperadamente, tentaram concretizar o mesmo feito, sem êxito. Se preciso fosse, ela enfrentaria não apenas o padre, mas o Papa.

Para Petúnia, as ofensas dos desconhecidos acabam sendo vazias. Afinal, dentro de casa ela já é ofendida. O roteiro de Elma Tataragic e Teona Strugar Mitevska – esta também diretora do longa – cria uma protagonista complexa, uma mulher madura que, a despeito da situação difícil (sem emprego e em constante conflito com a mãe), não se deixa abalar. Vaska (Violeta Sapkovska, muito bem), sua mãe, não tem escrúpulos para agredir a filha, verbal e fisicamente. Merece atenção o fato de que, logo após entrar em vias de fato contra Petúnia, Vaska pega a cruz, a beija e começa a orar, comportamento contraditório típico dos que adotam o discurso religioso para, na prática, ter uma conduta nada religiosa.

É o mesmo que fazem os homens da cidade (leigos) e o próprio padre. O clérigo até poderia defender que estava seguindo os cânones da sua religião, porém nada justifica a maneira com que quer resolver seu suposto problema (através da polícia, contra qualquer mínima noção de Estado laico). No caso dos leigos, não há contradição maior do que atacar Vaska por ter ignorado uma proibição sem sentido. No fundo, o que subsiste é o orgulho ferido, condição que não seria admitida.

Apimentando a narrativa, está Slavica (Labina Mitevska, ótima), uma jornalista dedicada a dar publicidade ao caso de Petúnia. O que parece sensacionalismo ganha ares de ativismo, como na conversa com um dos homens que perdeu para a protagonista na competição, que acaba reconhecendo isso (com uma retórica inteligente, ela faz com que ele reconheça a derrota). A conexão de Slavica com a narrativa propriamente dita não é sólida, uma vez que ela é dispensável na trama. Há uma tentativa de criar para ela uma subtrama (nas ligações com quem parece ser um ex-marido), que não é bem explicada, além de um subtexto referente ao papel da imprensa. Nesse último caso, como não se trata do tema principal, a abordagem sucinta é adequada.

A direção de Mitevska merece um parágrafo à parte. Muitos enquadramentos são estranhos (por falta de palavra melhor), cortando a cabeça de várias personagens, sugerindo sua irrelevância na cena ou desimportância em face de Petúnia. Não é uma boa técnica, tampouco recomendável, mas está lá. A opção implica maior uso do fora de campo, mas teria sido melhor usar ferramentas mais ortodoxas. Não é uma boa direção, basta perceber o uso indiscriminado de câmera na mão seguindo a protagonista, que faz caminhadas relativamente longas.

Há uma crença popular segundo a qual a petúnia – a flor – simboliza a sabedoria. Contudo, o título do longa, “Deus é mulher e seu nome é Petúnia”, tem maior força na conexão com o enredo religioso. Porém, a variedade de temáticas enfrentadas pelo filme (machismo, feminismo, imprensa, religião, tradições, maternidade etc.) gera uma mescla um pouco confusa e certamente sem a contundência desejável. Dito de outro modo, querer falar de tudo implica não falar de nada – sobretudo com uma direção ineficaz. Faltou sabedoria na produção.

* Filme assistido durante a cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.