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“DO JEITO QUE ELAS QUEREM” – Busque o que deseja

Tudo começou há quarenta anos atrás: Vivian, Diane, Sharon e Carol eram jovens amigas que iniciaram o hábito da leitura constante ao formar um clube do livro – nome original de DO JEITO QUE ELAS QUEREM. Os anos passaram, elas seguiram suas vidas com trabalho, maridos e filhos (ou não), mantendo a tradição de discutir um livro por mês. Tudo muda quando Vivian propõe às amigas a leitura de “Cinquenta tons de cinza”, livro que faz com que as experientes damas reencontrem um lado abandonado das suas personalidades.

Ao escrever, dirigir e produzir o longa, Bill Holderman sabia que não precisava inovar para agradar seu público-alvo. Ainda assim, usa muito bem a ótima trilha musical e o belíssimo figurino. As canções vão do jovial cool de Charlie Puth e Meghan Trainor (“Marvin Gaye”) à clássica londrina Roxy Music (“More than this”). Quanto ao figurino, os destaques são Diane e Vivian: a primeira sempre cobre o corpo inteiro (até o pescoço), não se preocupando com a moda (nem consigo mesma) ao usar um vestuário de cores mortas (bege, cinza, preto etc.) e escondendo o corpo; diametralmente oposta, a segunda usa um figurino moderno e de cores vibrantes (como dourado e azul), aproveitando para exibir os seios nos decotes. As músicas são reflexo coerente das cenas, enquanto o figurino é retrato fiel da personalidade das personagens. O único aspecto em que a direção efetivamente errou foi no uso de lente teleobjetiva para filmar casais em cenários amplos (como o jantar de Diane e o café de Vivian), no que resulta pouca profundidade de campo (grande distância focal) e distorção do fundo da imagem, que se torna despropositadamente artificial.

Chega a ser irônico o aproveitamento expresso de um produto cultural (uma trilogia literária), por intertextualidade, abocanhando o público desse produto ao mesmo tempo em que o trata de maneira eventualmente jocosa. Uma personagem inicialmente se recusa a ler o livro escrito por E. L. James, alegando que sequer poderia ser considerado literatura. Outra, envergonhada, responde a terceiros que a leitura do momento é “Moby Dick” – o que certamente lhe dá aparência de intelectual, já que é um clássico -, pois admitir a verdade seria vexatório. Novamente, uma intertextualidade sagaz: o livro escrito por Herman Melville trata, dentre outros temas (sem contar as inúmeras interpretações simbólicas), da dicotomia entre o sujeito pescador e o objeto pescado, o que também existe na relação entre Christian Grey (sujeito que almeja) e Anastasia Steele (objeto almejado).

Ou seja, o filme trata da busca pelo que se deseja, independentemente das adversidades. O Capitão Acab desejava matar a cachalote; Christian desejava possuir Anastasia. Vivian, Sharon, Diane e Carol também têm seus desejos. São quatro personagens arquetípicas, resumidas, respectivamente, como a solteira, a divorciada, a viúva e a casada. A partir disso, o script usa o exagero para abordar as quatro, o que permite humor à trama. Assim, enquanto Sharon se considera em uma idade que ultrapassa a possibilidade da prática sexual, Vivian é uma ninfomaníaca e solteira convicta. Enquanto a primeira diz que não precisa de ninguém para ser feliz, a segunda afirma que o objetivo dos relacionamentos é “levar para a cama”. No fundo, ambas – ainda que de maneiras bem distintas – estão insatisfeitas e têm medo da felicidade. Ninguém melhor para viver alguém com tanta energia como Vivian que Jane Fonda. No mesmo nível, Candice Bergen interpreta a racional Sharon, cuja seriedade, quando contraposta à descontração da amiga, é inegavelmente engraçada.

A espontânea Diane Keaton dá um carisma insuperável à sua homônima: Diane é a recém-viúva passiva diante de filhas que fazem questão de frisar que ela está à beira da morte – quando a verdade não poderia ser mais distante dessa condição. Sem tempo para si, a prole superprotetora de Diane obstaculiza a sua felicidade: se ela não pode subir uma escada rolante, pois isso seria um esforço perigoso, é evidente que também não pode encontrar um namorado – mesmo que queira. As filhas representam a castração freudiana da personagem, imposta por uma instância interna (a própria consciência de que precisa, ao menos do próprio ponto de vista, cuidar delas) e por uma externa (a pressão que aquelas exercem). Se Diane é uma personagem densa, apresentando ricas e complexas camadas, a Carol de Mary Steenburgen é mais comedida: é uma esposa ávida por retomar o casamento, querendo que o marido Bruce (Craig T. Nelson) seja mais que uma companhia física para dormir na mesma cama. Carol quer um verdadeiro companheiro, alguém que faça aula de dança com ela e que esteja mais interessado nela – inclusive, mas não apenas, do ponto de vista sexual – do que na antiga motocicleta.

Esse quarteto é moldado em conflitos internos e conflitos externos – o principal é a incompatibilidade, na perspectiva de um inconsciente coletivo junguiano, entre um recomeço e a idade madura (em síntese, elas não se dão o direito de serem felizes, criando embaraços para a já difícil busca pela felicidade). Mitchell (Andy Garcia, restrito a um charme sereno), Bruce (Nelson, discretíssimo), Arthur (Don Johnson, pouco significativo) e George (Richard Dreyfuss) não chegam aos pés das quatro principais. O roteiro é mais que previsível, tem diálogos monótonos e coincidências desnecessárias (como quando Sharon encontra o ex), mas consegue ser eficiente. Em termos cinematográficos, decepciona ao não surpreender em aspecto nenhum, mas é satisfatório dentro da sua modesta proposta – além de ter uma mensagem sempre louvável.