“DOCE ENTARDECER NA TOSCANA” – Poético e espinhoso
Pier Paolo Pasolini foi um cineasta controverso, principalmente em razão da acidez tórrida das suas críticas sociais. Assim, a comparação da protagonista de DOCE ENTARDECER NA TOSCANA com o cultuado (e extremamente polêmico) artista (escritor e cineasta) não poderia ser mais precisa. Como resultado, um filme espinhoso.
No longa, Maria Linde é uma renomada poetisa polonesa acostumada a uma vida tranquila na Toscana com seu marido e com as visitas da filha e dos netos. Após um discurso surpreendente, todos passam a enxergá-la de maneira diferente, exceto Nazeer, um imigrante que a conhece como ninguém mais.
A personalidade da poetisa dialoga bem com as questões que o filme suscita. De maneira simplista, pode-se dizer que o roteiro escrito pelo diretor Jacek Borcuch juntamente com Marcin Cecko e Szczepan Twardoch é ousado ao abraçar a falácia conhecida na filosofia pela expressão latina “tu quoque”. Teria mesmo a Europa moral suficiente para censurar os atos terroristas? Não deveria ela, antes, reconhecer (e, claro, solucionar) as próprias mazelas? Burocracia, fake news, influência política da máfia, xenofobia, campos de refugiados… criticar o outro não seria uma hipocrisia?
Para a Maria Linde da excelente Krystyna Janda, a resposta seria inegavelmente afirmativa. Entretanto, o filme não dá uma resposta muito clara, deixando para o espectador a função de refletir. A ideia é boa, mas há o erro de não aprofundar o debate. A poetisa recebe críticas de todos ao mesmo tempo em que adota uma moral transgressora. O que ela pretende é o puro prazer da transgressão? Seria a brilhante cena final a adoção de um ponto de vista parcial? Se sim, não haveria um paradoxo entre o desfecho de Linde (em tom condenatório, basta dizer) e o travelling para trás (sugerindo um retrocesso)?
A atriz compreende bem que a produção é propositadamente nebulosa. Qual a coerência de uma mulher que, como mãe, proibia a filha de proferir xingamentos, enquanto os ensina à neta? Parece difícil compreender uma intelectual poliglota capaz de explicar o significado de “vitória pírrica” ao neto de tenra idade ao mesmo tempo em que é incapaz de dialogar com o próprio marido, encaminhando a ele uma carta para fazer um pedido singelíssimo.
Seriam os invólucros da protagonista um disfarce para alguém carente de realidade? É por isso que ela usa entorpecentes? Qual o sentido em ignorar as orientações de investimento enquanto se diverte em um conversível que chama a atenção de todos? O carro serve para conquistar Nazeer? Não, ele parece muito mais interessado no intelecto da artista, demonstrando, todavia, que não é apenas um homem mais jovem disposto a meros prazeres carnais (o que fica claro na cena do livro). Em meio a cenários bucólicos, seu visual indica frieza (casaco pesado e óculos de sol Ray-Ban estilo Wayfarer), mas ela só é assim com o marido.
Em resumo, Maria Linde é uma personagem inflada de idiossincrasias, quiçá incoerências, mas pronta para o combate ideológico – como na cena em que se furta da blitz, revelando uma blusa tão vermelha quanto a fúria que ela secretamente guarda. A trilha musical de Daniel Bloom embala com força a trajetória intensa que Linde vive, fazendo uma belíssima homenagem às melodias italianas dos anos 1960. Quando toca “It was a very good year”, na voz de Sinatra (persona com função simbólica, mas também literal, nas menções da neta), sugere-se um saudosismo.
Muito poético, é justo reconhecer. Porém, a punch scene de “Doce entardecer na Toscana” deixa a desejar. Não basta o sarcasmo do título e da conduta da protagonista, falta se debruçar sobre as críticas que ela oferece à sociedade e à cultura europeias. Analisando superficialmente, ela relativiza o terrorismo por ter interesse em um imigrante. Entre diversão familiar e consumo de drogas, o que ela deseja é a liberdade? Com um plot flertando com a vagueza, a fotografia sensacional e o design de som primoroso ficam ofuscados. O filme não precisava fornecer respostas e é salutar que tenha deixado incontáveis dúvidas, mas não entrega muito material para que o público desenvolva reflexões profícuas.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.