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“DRÁCULA” (1931) – Um clássico e suas virtudes

Quando se fala em filmes clássicos de vampiros, certamente “Nosferatu”, de 1922, é a primeira referência. Como os herdeiros de Bram Stoker não concederam aos produtores do longa a autorização para adaptar o romance de Stoker, a obra de Murnau fez parte, à época, de uma controvérsia judicial que resultou na destruição de cópias. Não foi essa a situação de DRÁCULA, de 1931, filme que fez parte do prolífico universo de monstros da Universal e que tinha os direitos da origem literária.

Renfield é um advogado que viaja à Transilvânia para prestar serviços ao Conde Drácula. Avisado por locais de que o contratante seria um vampiro, ele acredita que é tudo superstição e prossegue a viagem. Não demora para o contratado se tornar um servo do temível Conde e então os dois viajam para Londres, onde Drácula se interessa pelo sangue de duas moças.

(©️ UNIVERSAL / Divulgação)

Mesmo se tratando de uma adaptação de uma obra literária clássica, a de Bram Stoker, e de uma peça teatral homônima, o roteiro de Hamilton Deane e John L. Balderston não é dos melhores. Por exemplo, a motivação para a viagem a Londres jamais fica clara (qual o interesse na abadia?). Entretanto, o script é hábil para estabelecer a condição draculesca de morto-vivo, uma defesa do valor da vida humana bem aproveitada (“há coisas muito piores esperando o homem que não a morte”). Além disso, o professor Van Helsing (Edward Van Sloan) é uma importante personagem que estimula a reflexão sobre a diferença entre superstição e ciência. Para além de sua relevância narrativa, Van Helsing tem uma relevância temática; segundo ele, “a superstição de ontem pode virar ciência hoje”, um pensamento inteligente sobre o constante progresso científico.

Como aponta o título, a personagem principal não poderia deixar de ser o próprio Conde Drácula, interpretado iconicamente por Bela Lugosi. Acostumado ao papel por vivê-lo no teatro, Lugosi ficou conhecido como a personificação perfeita do vampiro, seja pela fala lenta e pausada, com ênfase em determinadas sílabas ou palavras (“eu nunca bebo… vinho”), pelas expressões faciais frias e com ar enigmático (em especial o sorriso misterioso e a sobrancelha levantada, destacada por um feixe de luz na região dos olhos, tornando o olhar mais assustador) ou pela linguagem corporal (geralmente de movimentos lentos e mãos abertas, o que muda quando aparecem objetos que o intimidam).

Ao lado do Drácula está seu servo Renfield, vivido por Dwight Frye, personagem que, paradoxalmente, se posiciona no lado sobrenatural do longa, mas representa a humanidade contrapondo o vampiresco. Hodiernamente, Frye aparece bastante caricato com seu overacting (inclusive porque completamente distinto de Lugosi), mas a atuação faz sentido para a proposta de um louco no olhar da época. Assim como Mina (Helen Chandler), porém, Renfield é bem menos cativante que Drácula, o que é fruto tanto de razões diegéticas (é claro que o vampiro é mais interessante) quanto das atuações. No caso de Chandler, a subtrama com Harker (David Manners) é insossa, mas há algum brilho na atuação quando Mina perde a aura angelical.

O diretor Tod Browning elabora uma composição visual que enaltece o terror da obra. Na fotografia, o matte painting de paisagens belíssimas (as montanhas, o castelo) é, guardadas as devidas proporções, melhor do que muito chroma key contemporâneo; o design de produção usa tudo o que pode ser considerado mórbido (teias de aranha, caixão, velas), sem deixar de lado a nobreza do Conde, razão pela qual seu figurino é elegante (terno, cartola, bengala, anel etc.) e seu castelo é pomposo (pé direito alto, escadaria enorme, recintos espaçosos, lareira etc.). No som, existem acertos, como o uso de “Swan Lake Op. 20”, de Tchaikovsky, nos créditos (criando uma atmosfera de suspense) e os ótimos ruídos diegéticos (o rangido da porta, uivos no castelo). Entretanto, o emprego de silêncio nem sempre funciona: é adequado para fabricar expectativa quando Renfield chega no castelo, contudo o vazio sonoro é por vezes monótono.

Impressiona, de todo modo, a competência para arquitetar um clima amedrontador. É perceptível a progressão do ambiente de medo: na cidade, todos ficam perplexos com os planos do cético Renfield; em seguida, o cocheiro desaparece; quando Renfield e Drácula se encontram, caminham um em direção ao outro em silêncio; quando Renfield corta o dedo, a apreensão toma conta da cena. São ainda utilizados truques de mise en scène que superam limitações da época, tal qual o primeiro ataque do vampiro em Londres (neblina, filmagem em plano médio, movimentação para trás do pilar e encerramento com um grito). A montagem se torna ferramenta essencial, como na cena em que Drácula entra no quarto de Lucy (resumidamente: em frente à casa, corte, Lucy na cama, corte, morcego, corte, Lucy, corte, forma humana) e no plano-contraplano quando Van Helsing começa a usar um espelho para investigar Drácula. Por tantos motivos, ainda que “Drácula” não seja um paradigma de movimento cinematográfico como o expressionista “Nosferatu”, o filme é certamente um clássico com muitas virtudes.