“DUNA” (1984) – Fazer como o Sting
A união de uma defesa dos recursos naturais, um subtexto bíblico e uma direção bastante peculiar resulta em DUNA (o de 1984). A obra literária de Frank Herbert é um clássico inquestionável da ficção científica; quanto ao filme, suas idiossincrasias tornam questionável tal qualificação. Talvez o longa não seja um clássico inestimável da sétima arte, mas certamente vale a lembrança por sair – muito, provavelmente demais – do comum.
O ano é 10.190 d. C.; o Imperador Shaddam IV decide mandar o Duque Leto Atreides, com sua mulher, Jessica, e seu filho, Paul, ao planeta Arrakis. A missão é encontrar a especiaria, matéria-prima para as viagens interplanetárias, porém o Imperador tem planos escusos em relação aos Atreides.
No elenco estão nomes como Patrick Stewart e Max Von Sydow, porém “Duna” não faz as melhores escolhas para os papéis principais. Kyle MacLachlan não tem nenhum carisma para interpretar o protagonista Paul, tampouco representa um galã convincente quando chega a parte romântica – sua parceira de cena, Sean Young, faz de Chani uma personagem inexpressiva. Jürgen Prochnow se esforça no papel do Duque, contudo o que parece é que Sting, como Feyd, foi quem melhor entendeu o espírito almejado pelo diretor David Lynch.
Sting, assim como Kenneth McMillan (este no papel do Barão Vladimir Harkonnen), compreendeu que o cineasta não quer um filme que seja levado muito a sério. As bizarrices da película são incontáveis, de sobrancelhas extremamente peludas a anões trabalhando para o vilão (quiçá uma referência aos oompa-loompas, os funcionários de Willy Wonka), de uma criança assassina cuja morbidez é digna de filmes de terror (a cena em slow motion, com sorriso ao vento e órgão sombrio tocando ao fundo, após um homicídio, não combina com sci-fi) a fofíssimos pugs de estimação cuja presença não é justificada. Tudo é bizarro e não justificado, o que torna coerente o overacting de alguns artistas, como Brad Dourif no papel de Piter.
Lynch não fica apenas no bizarro. Existe uma dificuldade tecnológica que torna seu filme falso, ou seja, o CGI e o chroma key de 1984 não estão à altura do que o cineasta queria em “Duna”. Esse, todavia, não é exatamente um defeito do filme (no máximo, uma dificuldade externa), sobretudo porque são várias as suas reais falhas internas. A comicidade acidental é capaz de divertir, mas certamente está distante do ideal e do que queria o diretor. Os cenários grandes e pomposos se tornam obsoletos quando surgem piadas não intencionais – como o choro falso de Yueh (Dean Stockwell) e a resistência de Paul aos testes (um deles, vocal) da Reverenda Mãe Gaius Helen (Siân Phillips) – ou um homoerotismo nonsense (a cena em que Feyd surge por detrás do vapor apenas de sunga e é caracterizado como “adorável” pelo Barão). As expressões maliciosas dos vilões, com suas risadas maldosas, induzem à conclusão de que não há nada sério no filme.
Entretanto, existem sim assuntos sérios no roteiro – ou seja, na parte de menor espaço de interferência de Lynch. O primeiro deles é relativo ao viés ecológico da narrativa: a humanidade ampliou seu território de atuação, porém permanece focada em extrair recursos naturais de maneira predatória, sem compensação e sem se preocupar com as pessoas envolvidas que podem se prejudicar. É forte a mensagem do filme nesse sentido, contudo há muito a ser dito que não cabe em duas horas e vinte. Entre explicar uma riquíssima e complexa mitologia própria (pessoas telepatas, criaturas animalescas, bebidas mágicas, profecias etc.), cenas de ação e um romance en passant, pouco sobra para fazer uma defesa consistente da preservação ambiental. O romance entre Paul e Chani é o que mais sofre, pois não é desenvolvido de maneira alguma, mas aparece como um dado posto (e que poderia ser eliminado do texto sem prejuízo algum).
A profecia que envolve Paul reforça o deísmo futurológico da película, exposta em frases como “que a mão de Deus esteja com você”. Como salvador, seu papel sugere uma analogia com a Bíblia, na qual o protagonista seria Jesus, disposto inclusive a se sacrificar para ajudar a humanidade. O cristianismo retorna, ainda, em uma citação de um trecho da Oração de São Francisco.
Se fossem considerados apenas a mensagem de consciência ambiental e o subtexto religioso, “Duna” seria uma ficção científica memorável. No entanto, sua falta de seriedade impede maiores reflexões, ainda que estimule risos da plateia. O melhor é fazer como o Sting: não levá-lo a sério e se permitir rir das excentricidades de David Lynch.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.