“EDUARDO E MÔNICA” – A razão do coração
Existem dois pontos de vista extremos no campo dos relacionamentos afetivos. Para uns, “os opostos se atraem”; para outros, o casal precisa estar em concordância quase absoluta. Há também quem ache que o ideal é um meio-termo. A verdade, porém, é que não existem regras para o amor, apenas o próprio amor. É isso que EDUARDO E MÔNICA pretende ensinar desde que a música que inspirou o filme foi composta.
A composição de Renato Russo é a base para a trama do filme homônimo: Eduardo conhece Mônica em uma festa e os dois se encantam um pelo outro rapidamente. Eles não são nada parecidos; ele ainda está na adolescência enquanto ela, independente, anda de moto; ela estuda medicina e fala alemão, ele faz aulas de inglês. Algo, porém, os conecta, já que “ele completa ela e vice-versa”.
Em 1986, a banda Legião Urbana lançou “Dois”, seu segundo álbum, tendo “Eduardo e Mônica” como um de seus principais singles. O Zeitgeist é profundamente aproveitado pelo diretor René Sampaio, a começar pela trilha musical. Além do bom uso em cada cena, as canções escolhidas são praticamente todas da década de 1980: “Don’t get me wrong” (The Pretenders), “Take on me” (A-ha), “Should I stay or should I go?” (The Clash), “Deixar as coisas tristes para depois” (Tim Maia) e “Total eclipse of the heart” (Bonnie Tyler). A última canção é inclusive aproveitada em uma belíssima cena que mostra o poder da música para unir pessoas.
A cena romântica mais intensa do longa é aquela em que Eduardo fecha os olhos de Mônica para contar sua história de vida, cena em que a filmagem em contraluz alternando entre spinning shot e planos-detalhes cria uma atmosfera encantadora. A cena seguinte, mais íntima, mantém o espírito romântico sem recair no vulgar. Sampaio é muito fiel à música da Legião Urbana também, por exemplo, ao usar split screen em dois momentos: no início, quando são expostas as primeiras diferenças do casal (que ainda não se conheceu); e depois, quando falam ao telefone demonstrando interesse em um reencontro.
As diferenças entre os dois são igualmente exploradas no aspecto visual. Enquanto Eduardo usa uma camiseta cor mostarda com uma estampa de balão e “baloons” escrito nela, Mônica se veste em tons de preto e cinza. Ele varia nas cores, vai do azul céu ao vermelho argila; ela só sai do preto ou do cinza para usar branco. A casa de Mônica é grande, aberta, com pouca luz e muitos objetos à vista; a de Eduardo tem recintos menores e é mais clara e colorida. A dela tem uma escada estilo caracol, a dele, apenas um andar.
A despeito da estética do cabelo (desarrumado), da pele (com espinhas) e dos dentes (com aparelho), Gabriel Leone não convence para se passar por um adolescente de dezesseis anos, porém sua interpretação é muito inspirada – em especial pelo sorriso, capaz de transmitir o que há de pueril em Eduardo. Alice Braga não esbarra no problema etário, já que a música não diz quantos anos Mônica tem, sendo ótima para o papel tanto sozinha quanto ao interagir com Leone. Outro destaque do elenco é Vitor Lamoglia, que tem em Inácio não apenas um alívio cômico bastante divertido, mas um coadjuvante com um arco narrativo interessante (ainda que minúsculo). Otávio Augusto encontra em Bira o oposto de Inácio, participando de uma cena tensa que aprofunda um dos aspectos dramáticos da vida de Mônica.
Apesar de o roteiro ser assinado por um número grande de pessoas (Jessica Candal, Michele Frantz, Claudia Souto, Matheus Souza e Gabriel Bortolini), o que facilita a incoerência, prevalece a coesão narrativa e a fidelidade à canção inspiradora. São enaltecidos traços que diferenciam Eduardo e Mônica, como a cultura (ela se interesse pela nouvelle vague, ele, por novelas) e a religiosidade (presente apenas nele), sem ignorar que essas diferenças levam a trocas entre os dois (ela o apresenta a Bandeira, ele a ensina um pouco de libras). O desfecho é pouco convincente em termos narrativos (ainda que muito charmoso), todavia o script tem a coragem de não se limitar à composição de Renato Russo. É por isso que surgem coadjuvantes e uma subtrama envolvendo Mônica e sua família.
Eduardo soa infantil na primeira conversa com Mônica. Ele é, de fato, infantil ao lado dela. Por outro lado, ela parece triste em demasia para um jovem constantemente empolgado. Ele fala sem pensar, ela evita simplesmente falar. O que importa, contudo, é que nada disso importa. As diferenças entre os dois podem afastá-los, mas não superam a força do amor que sentem. Com inteligência, Renato Russo contrapõe razão e coração: não há razão (racionalidade) nas coisas feitas pelo coração, mas tampouco se pode dizer que nelas não existe razão (acerto). Mesmo irracional, o coração não erra.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.