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“ELITE” [3ª TEMPORADA] – Melhor parar por aqui

* Clique aqui para ler a nossa crítica da primeira temporada, de 2018.

* Clique aqui para ler a nossa crítica da segunda temporada, de 2019.

AVISO: a crítica que segue contém spoilers das duas primeiras temporadas da série “Elite”.

Na primeira temporada (2018), o primeiro mistério: quem matou Marina? Na segunda (2019), o segundo enigma: que aluno desapareceu? Na terceira (2020), mais uma morte a ser explicada por duas linhas temporais. Nas três, oito episódios de aproximadamente cinquenta minutos cada – e diversas outras características repetidas. Nesse caso, o que pode fazer a terceira temporada de ELITE uma obra atrativa o suficiente para ter uma continuação?

Agora que todos sabem que Polo assassinou Marina e continua impune, seu retorno a Las Encinas é mal visto pelos colegas. A exceção fica com Cayetana, que está em um relacionamento com ele (além de guardar a prova do crime). Samuel (Itzan Escamilla) e Guzmán (Miguel Bernadeau), novos aliados, não aceitam o retorno de Polo, prometendo um verdadeiro inferno para ele.

Cada episódio tem o nome de uma ou duas personagens com maior destaque naquele capítulo – ou seja, a criatividade, nesse quesito, ficou apenas na primeira (na segunda, eram contadas as horas em que o colega estava desaparecido). Criada por Carlos Montero e Darío Madrona, a direção ficou a cargo de Dani de la Orden (que já assumiu a responsabilidade desde 2018), em uma metade, e Jorge Torregrossa (iniciante), na outra.

(© Netflix / Divulgação)

Estilisticamente, não há grandes recursos marcantes em termos imagéticos (salvo, no máximo o dispensável slow motion do primeiro capítulo). Do ponto de vista sonoro, o clímax recebe sempre uma música, potencialmente de maior impacto, o que retira um pouco a carga sensorial que a trilha pudesse ter em outros momentos. Na ótica estrutural da narrativa, a série sempre repete o esquema de “How to get away with murder”: uma charada inicial incompreensível, que só é desvendada no epílogo da temporada, que desliza na cronologia.

Em 2020, “Elite” tem novamente um prólogo in media res para retornar cinco meses, exatamente de onde parou em 2019. O tempo não é bem trabalhado, mas a preocupação está mais com as pistas, verdadeiras (como foreshadowings) ou falsas (enquanto red herrings). Enquanto progride o presente diegético, aparecem flashforwards que não fazem muito sentido apriorístico. Entretanto, há pequenos equívocos nesse objetivo de desnortear o espectador. Por exemplo, quando a inspetora pede para ver a bolsa de Carla, isso acaba não fazendo sentido ao final.

Nem todos os episódios possuem cliffhangers (ganchos, no final, para que o espectador fique curioso para começar o seguinte), quando eles existem, todavia, atingem seu objetivo. O principal plot twist se refere ao arco dramático de Carla, contudo acaba sendo pouco verossímil. Salvo por amarrar as duas linhas narrativas sem deixar pontas soltas, há poucos elementos inteligentes no roteiro – no máximo, a artimanha de Rebeca na festa Blecaute.

No aspecto temático, relacionamentos afetivos, importância do dinheiro e drogas são os três principais eixos. No primeiro, enquanto Lu evolui sozinha (inclusive reconhecendo para Guzmán que está melhor assim), Ander (Arón Piper) e Omar (Omar Ayuso) progridem enquanto casal. O arco dramático de Ander é previsível, mas não é mal abordado. Nadia e Carla se aproximam de duas novas personagens, Malick e Yeray (Sergio Momo), porém é apenas o primeiro que se desenvolve autonomamente. Malick interage com outras personagens e representa mudanças substanciais na vida de Nadia e na forma como ela encara a religião (basta ser bons filhos de Alá, não filhos perfeitos). Yeray, por outro lado, é uma simples muleta para Carla ter arco próprio, à margem do fio condutor da narrativa, relativo a Polo.

Nesse sentido, Carla (Ester Expósito, aparentemente desperdiçada) tem um desinteressante subplot que se encaixa no enredo principal somente no primeiro episódio. A garota fica em dúvida se deveria investir no futuro de maneira desconfortável ou ter um presente mais agradável, recebendo uma solução difícil de se engolir. É com ela, por outro lado, uma discussão firme sobre a importância do dinheiro em face do que pode ser considerada a dignidade pessoal. Igualmente, Rebeca enfrenta esse dilema ao perceber o quão sedutor pode ser o dinheiro fácil com atividades ilícitas. Coerentemente, Samuel se divide entre família e amigos. É uma pena que ele e Guzmán tenham sido os mais estáticos na temporada – no caso deste, há a oportunidade da valorização do trabalho, desperdiçada por um roteiro que a esquece.

Rebeca, Nadia e, principalmente, Lu, são as três que mais evoluem. A primeira permite a Claudia Salas desenvolver a personalidade da personagem, que não é apenas a garota expansiva e exageradamente autossuficiente de 2019. A segunda repete o caráter nobre e o esforço individual, de modo que Mina El Hammani brilha mais uma vez. É interessante a interação com Malick (Leïti Sène), que reserva enorme surpresa. Danna Paola é quem se consagra em 2020, pois Lu se revela como uma garota não apenas inteligente, mas também sensível. Aprendendo com uma distância segura de Nadia, Lu, juntamente com ela, enfrenta muito melhor o conflito entre dinheiro e dignidade – ao menos quando comparadas a Carla.

O destaque menor fica com Cayetana (Georgina Amorós), Polo (Álvaro Rico) e Valerio (Jorge López) – este exibindo algum talento dramático em apenas duas cenas: no primeiro episódio, quando Lu o defende perante o pai; e mais adiante, ao contracenar com Sandra (Eva Llorach). A cena com Valerio e Sandra é bastante simbólica acerca da ideologia de “Elite”, que, não à toa, exibe muito mais os corpos masculinos do que os femininos, ao contrário do que faz a maioria das produções. As cenas mais picantes são compatíveis com o público-alvo adolescente.

Pensando no público-alvo, “Elite” é ótima. Refletir sobre os efeitos deletérios das drogas, sobre as novas configurações dos relacionamentos afetivos e sobre a inegável importância do dinheiro (sobretudo para enfrentar o “sistema”) faz sentido em tempos atuais. Entretanto, algumas abordagens são superficiais (por exemplo, o plot não adentra na influência das mães de Polo) e algumas oportunidades são desperdiçadas (Yeray é o maior exemplo). O ideal é que não haja uma continuação em 2021, já que o encerramento é satisfatório. Se a Netflix cumprir a promessa de duas novas temporadas, que elas sejam criativas, porque os moldes utilizados até então já estão desgastados.