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“ESQUEMA” – A vulnerabilidade é uma fragilidade [46 MICSP]

O objetivo de ESQUEMA é retratar a vulnerabilidade dos jovens (adolescentes em especial) aos perigos do mundo que os rodeia, muitas vezes criados por eles mesmos em suas aventuras. O esquema em que sua protagonista se insere, porém, é mal construído e mal desenvolvido, o que acaba minando o projeto desde sua gênese.

(© 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo / Divulgação)

Em busca de sua individualidade, Masha cada vez mais se afasta de sua família e se aproxima de amigos da sua idade. Esses amigos, contudo, estão envolvidos em um esquema de enriquecimento ilícito. Apaixonada por um dos rapazes da turma, Ram, ela aceita participar das atividades do grupo, que envolvem, em princípio, ir a uma festa e se divertir, levando amigas e ganhando dinheiro. Na prática, ela descobre que não é tão simples.

O intento de Farkhat Sharipov com seu filme beira o conservadorismo, dada a maneira superficial com que ele trabalha o esquema liderado por Ram (Tair Svintsov). Na verdade, há vários problemas de abordagem. Faz sentido que Masha mergulhe nas atividades do grupo como prova de amor para Ram, e sua intérprete, Viktoriya Romanova, transmite bem a paixão sentida. Entretanto, faltam cenas que desenvolvam o romance, basta ver o modo como ele, repentinamente, é aceito pelos pais de Masha (mesmo tendo sido considerado, claramente, uma influência ruim). Ainda que tomada por uma paixão fulminante, a ingenuidade com que se insere nas festas é pouco crível, o que indiretamente sugere uma generalização das festas dos jovens, como se todas fossem regadas a práticas ilícitas.

A narrativa escrita por Sharipov, assim, se revela solta, não conseguindo construir de maneira sólida a trajetória da sua protagonista. Isso significa que o desfecho, apesar de potente, teria ainda mais pujança se o que o precede fosse mais sólido. O que reforça o viés raso do longa é a reiteração incessante das festas dos adolescentes, o que se torna cansativo por ser repetitivo e oco na crítica que se pretende fazer. As reuniões envolvem bebidas, drogas, conversas vazias e o lucro do esquema, algo que aparece de novo e de novo. Além disso, não surge nada que demonstre por que Masha é tão facilmente seduzida pelo grupo – seria mais convincente se esse motivo não fosse apenas Ram. A forma como o cineasta encara a diversão adolescente dificulta a interpretação que não seja a de um olhar conservador sem muito fundamento.

De positivo no roteiro, porém, subsiste a rima temática da própria noção de esquema: enquanto Masha é sugada para as atividades adolescentes que têm tudo para fazê-la sofrer, sua mãe ingressa em um esquema de pirâmide sem assumi-lo enquanto tal. Infelizmente, a ideia é pouco ou nada explorada. Como diretor, por outro lado, Sharipov revela mais virtudes. Na sua mise en scène, há bastante uso de câmera na mão denotando a insegurança na rotina de Masha (que age escondida dos pais e usa de estratagemas para enganá-los), destacando-se ainda uma cena em que a protagonista e o pai são filmados em close e em plano holandês (enfatizando o conteúdo da reprovação dele sobre a conduta dela) e a cena em que um reflexo em um vidro amplia o campo, mostrando Masha e Ram se beijando na superfície refletida.

Para o que “Scheme” quer transmitir, todavia, o resultado está muito aquém da sua ideação. A ideia de denunciar a susceptibilidade jovem à diversão gratuita e ao dinheiro fácil é válida e o ponto de vista conservador não é problemático per se, mas demandam requintes narrativos que o longa definitivamente não oferece. A vulnerabilidade dos adolescentes é na verdade uma fragilidade do próprio filme.

* Filme assistido durante a cobertura da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.