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“ESTÁ CHOVENDO EM CASA” – Minitrama realmente mini [47 MICSP]

A chuva de ESTÁ CHOVENDO EM CASA é uma chuva literal e metafórica. O filme é um conto sobre dois irmãos em situação difícil. Em um design de estória nada clássico, o longa demonstra que o contexto do início da vida pode limitar as expectativas e as possibilidades. Seu significado, porém, a depender do referente, pode ser bem modesto.

O verão está intenso e com chuvas fortes na região onde moram Purdey e Mak, uma área com um lago como atração turística. Ela está prestes a fazer dezoito anos e precisa cuidar dele, dada a constante ausência da mãe. Suas preocupações são idênticas, o que os distingue é a maneira como lidam com elas.

(© Michigan Films, Kidam, Visualantics / Divulgação)

A diretora e roteirista Paloma Sermon-Daï desenvolve a narrativa a partir da rotina dos irmãos, ora juntos, ora separados. Eles brigam por estarem cansados de carregar sacolas e pacotes na estrada, mas também brincam para sentir um suspiro da infância que perderam (como quando Mak e Dono jogam Purdey na boia para o meio do lago). Há muito para dividir, a começar pelo quarto e a continuar pelo vício em nicotina.

Não são poucas as diferenças entre Purdey e Mak. Quanto à maturidade, ele ainda é muito infantil, divertindo-se ao balançar uma ponte suspensa enquanto ela procura um trabalho. Nos relacionamentos, também há uma distinção clara: no círculo de Purdey há basicamente Youss (Amine Hamidou), seu namorado, enquanto Mak, virgem, interage com o amigo Dono. O modo como encaram a genitora é diverso, pois Purdey guarda uma mágoa irremediável, ao passo que Mak é muito mais complacente (segundo ela, o garoto é muito “bonzinho” com a mãe). A ausência da mãe aparece em fragmentos, cabendo ao espectador concluir o que acontece com ela (o que não é muito difícil).

Apesar dessas diferenças, os dois irmãos compartilham semelhanças que possivelmente decorrem do idêntico ponto de partida do qual saem, leia-se, uma situação de pobreza – importante ressaltar: para os padrões da Bélgica – e de omissão materna. Nesse cenário, eles acabam preenchendo seus dias de vivência adolescente, seja na busca por uma renda legítima, seja ao aplicar pequenos golpes. Tudo seria diferente com uma mãe presente e melhor condição financeira. É a condição que possuem, que se depreende dos ventiladores na casa (ao contrário do ar condicionado de Youss) e das paredes mofadas, que os torna vítimas de um destino cruel. Ou seja, o filme tem como ideia governante aquela que rejeita a meritocracia: Youss consegue planejar sua faculdade porque não precisa se preocupar em garantir uma renda, o contrário é o que vale para Purdey.

Esse choque de realidade se torna um incômodo para os irmãos na medida em que acabam se deparando com pessoas em situação melhor, ainda que em pouca medida. Dono (Donovan Nizet) revolta Mak porque tem uma namorada e um Playstation; é uma injustiça que Mak não tenha nenhum dos dois. Quando Purdey entende que Youss não aceitaria namorar uma faxineira enquanto faz faculdade, a relação não pode não colapsar. O menino de Bruxelas, ao conversar com Mak, mostra que sua visão de mundo é completamente distinta da dele, o que é resultado do contexto em que se inserem. Cada um deles está sentenciado a um patamar que não pode ser ultrapassado.

A chuva a que o título se refere é o literal pingar dentro do quarto de Purdey, mas também, metaforicamente, a deterioração de seu futuro através de lesões irreversíveis no presente. O horizonte de Purdey é o trabalho como faxineira; o de Mak, nem isso. Os closes em que Sermon-Daï coloca seus intérpretes, respectivamente, Purdey Lombet e Makenzy Lombet, enfatiza o enorme vazio que a dupla enxerga no porvir. É uma narrativa triste, contudo a pobreza belga não é chocante como a de outros países, incluindo o Brasil. O filme, assim, perde muito impacto em razão de retratar uma realidade que poderia ser muito pior (e há vários filmes nesse sentido). A estrutura de minitrama (final aberto, dois protagonistas passivos, minimalismo etc.) colabora para a brandura do longa, que se pretende muito mais impressionante do que realmente é. Há pouco material para oitenta minutos, a obra poderia ser um curta-metragem sem prejuízo. Seu resultado é mais longo que o necessário e muito menos emocionante que o almejado.

* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).