“ETERNOS” – Um passo de cada vez
Com ETERNOS, o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) dá um passo grande em direção a uma nova etapa da sua robusta construção. Talvez não seja o passo que se esperava, mas certamente existe algo ali muito além da progressão no MCU. Há outro progresso que o filme representa, com poucas ambições além dele.
Deuses especiais conhecidos como Celestiais criaram os Eternos, um grupo de poderosos seres imortais capazes de manipular energia cósmica e com diversas habilidades especiais. Primeiros habitantes da Terra, a missão dos Eternos é eliminar os Deviantes, que também foram criados pelos Celestiais, mas resultantes de um experimento que deu errado. Milênios morando no planeta, os Eternos acabam se apegando à Terra e aos terráqueos, o que pode dificultar a execução das tarefas designadas pelo Celestial Areshem.
Apesar do contexto épico perceptível da própria sinopse do longa, seu visual deixa a desejar. Os Celestiais parecem inspirados no filme “Gigantes de ferro”, o que certamente não é elogio (e pouco importa, para fins cinematográficos, a fidelidade às HQs, tendo em vista que muito de lá foi modificado); os deviantes, nos desenhos do corpo humano mostrando os músculos, já que parecem seres fibrosos genéricos. As lutas pouco empolgam porque têm muita artificialidade (a ação, por sinal, é uma das falhas da película). As habilidades dos Eternos são tão surreais que o CGI que é exigido acaba ficando demasiadamente ilusório (principalmente com os que têm poderes mais bélicos).
Parece que a diretora Chloé Zhao ficou indecisa entre o real e o surreal de seus heróis – que, na verdade, não são muito heroicos, basta ver sua omissão em episódios como a Segunda Guerra e os atos de Thanos. É verdade que eles explicam a razão da sua inação, porém sua interferência na humanidade é deveras questionável. O discurso oficial diz que eles não podem interferir em nada que não envolva Deviantes. Nesse caso, por que Phastos estimula os humanos em relação à tecnologia (e com a anuência de Ajak)? Por que Sersi transforma um objeto da parede em pó, correndo o risco de ser vista? Uma resposta possível é que Phastos e Sersi são os que mais se envolvem com os humanos, principalmente através de relacionamentos afetivos. Ainda assim, por que Druig tem o poder de manipular a mente humana se os Eternos não podem interferir na humanidade?
Não é possível afirmar, ainda, que “Eternos” seja um filme realmente autoral. Mesmo Zhao sendo uma ganhadora do Oscar, algumas características do DNA Marvel não foram eliminadas da obra. A primeira – e talvez principal – delas é o humor nem sempre certeiro, seja por falas sem graça nenhuma (“eu sei que estou atrasada, Charlie”), por piadas visuais estúpidas (Gilgamesh de avental), por referências variadas (como de dois super-heróis da DC Comics) ou por humor situacional (Phastos e sua família). Nos dois últimos casos, às vezes a comédia é funcional. Brian Tyree Henry, no papel de Phastos, é quem tem o melhor desempenho nesse quesito, ao passo que o Kingo de Kumail Nanjiani é um alívio cômico mediano. Um dos maiores problemas do filme é o antagonismo, inicialmente exercido por criaturas quaisquer (os Deviantes), o que ratifica a dificuldade do UCM em criar bons vilões. Mesmo quando o polo antagonista é modificado (sem maiores detalhes para evitar spoilers), ele pouco empolga.
É positivo que Zhao tenha conseguido dar representatividade ao longa: os Eternos são realmente representativos no gênero, na orientação sexual, na cor da pele, na origem étnica etc. Entretanto, a boa intenção da representatividade, às vezes, derrapa: Makkari (Lauren Ridloff), a heroína surda, não tem personalidade alguma, sua presença é irrelevante na narrativa; Sersi (Gemma Chan) exerce função de protagonista, porém sua liderança perante os demais Eternos não é problematizada a ponto de questionar o machismo estrutural relativo à liderança feminina. Além do apego à humanidade (como na cena protagonizada por Phastos em que toca “The end of the world”, de Skeeter Davis), o subtexto relativo às vantagens de ser humano é explorado, como quando Sersi usa um app de envelhecimento ou quando Duende (Lia McHugh) se frustra por não conseguir flertar em um bar. Podia ser melhor explorado, mas inquestionavelmente se faz presente. Druig (Barry Keoghan) também consegue abordar a importância do questionamento, criticando a obediência cega. Entretanto, quando os Eternos se deparam no que é principal, um conflito entre seus princípios e seu dever, o roteiro, escrito por Zhao com Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Kaz Firpo, pouco sai do superficial.
A mera representatividade (negro, asiática, gay, surda etc.) é um ponto forte em “Eternos”, assim como a não dependência de nomes grandiosos como Angelina Jolie e Salma Hayek. Se é difícil se identificar com alguém poderoso como Ikaris (Richard Madden), o mesmo não se pode dizer do simpático Gilgamesh (Don Lee), um pouco mais humano. O filme seria melhor com mais substância e não justifica suas duas horas e meia, mas talvez seja a representação de um novo paradigma. Com vilões melhores e humor melhor (talvez sem humor), possivelmente a Marvel atingiria outro patamar. Mas isso seria pedir demais: um passo de cada vez.
P. S.: Kit Harrington parece perdido ao aparecer e desaparecer do filme sem motivo claro.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.