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“EVIDÊNCIAS DO AMOR” – Negar as aparências e disfarçar as evidências

O autor da linda canção “New York state of mind” é Billy Joel, mas foi Barbra Streisand que a imortalizou em sua versão, tornando-a mais célebre. Algo similar aconteceu com “Evidências”, composição de José Augusto eternizada nas vozes de Chitãozinho & Xororó. EVIDÊNCIAS DO AMOR é uma espécie de homenagem a esta música obrigatória nos karaokês país afora.

Foi em um karaokê, cantando “Evidências”, que Marco e Laura se conhecem e rapidamente se apaixonam. Depois de três anos de um romance perfeito, ela encerra o relacionamento. Um ano depois, a canção passa a assombrá-lo, fazendo com que retorne a cenas compartilhadas pelo casal no pretérito.

(© Warner Bros. / Divulgação)

O roteiro escrito pelo diretor Pedro Antonio junto de Fabio Porchat (que interpreta Marco), Luanna Guimarães e Alvaro Campos, se apropria de um tipo específico de comédia romântica, aquela relacionada a viagens no tempo, sendo “Feitiço do tempo” o maior paradigma cinematográfico, e, no cinema nacional, “O homem do futuro”. Marco fica aprisionado em suas memórias, dentro de um universo com regras próprias que ele descobre e progressivamente decifra (afinal, esse cárcere fantástico precisa ter um propósito).

Há, porém, um problema estrutural no texto, que reside na reconstrução do que não ficou plenamente construído. Os minutos iniciais são destinados a expor o relacionamento perfeito que Marco e Laura vivem, em uma sequência elíptica rápida. A primeira falha é consequência dessa brevidade: a desconstrução de uma relação mal construída não consegue convencer. A única explicação que faria sentido seria um acidente em razão do qual Laura desistiria de tudo que vinha formando junto a Marco, do contrário, muito não foi mostrado ou ela apenas fingia que era feliz. A solução adotada é um pouco de cada: as brigas do casal não foram exibidas até então (já que não houve tempo) e ela não era verdadeiramente feliz.

Nesse caso, a opção é razoável: fazer com que Marco revisite as brigas e consiga perceber que Laura “disfarçava as evidências”. É com base nisso que o romance, rapidamente construído e (logo após) mal desconstruído (o término dela beira o preguiçoso), passa a ser reconstruído. A ideia é clara e não é ruim, mas mal executada: é difícil comprar um casal que, em poucos minutos, passa de um debate sobre a autoria de uma música para uma tentativa de talvez reatar depois de três anos supostamente perfeitos. A falha não está no formato “vaivém”, pois isso é natural em comédias românticas, mas na maneira como isso é desenvolvido.

Enquanto defeitos do texto que são consequência da estrutura, destacam-se dois. O primeiro é o ponto de vista: faz sentido que, sendo o ponto de foco o motivo do término, adote-se o ponto de vista de Marco como o principal, o que não faz sentido é ignorar substancialmente o de Laura. Da maneira como o filme trabalha o término, ela parece uma mulher volúvel (não quer cantar, mas acaba cantando; aceita prosseguir no relacionamento, mas repentinamente, e no pior momento, o encerra) ou simplesmente falsa (incapaz de ser autêntica com a pessoa que está ao seu lado). É verdade que as brigas do casal poderiam afastar essa falsidade, mas elas acabam por gerar outro problema: a interação entre eles era infantil, a ponto de não haver discussões construtivas, mas brigas perniciosas aptas a corroer o laço claramente não inquebrantável. Nesse caso, não faz sentido algum querer que eles fiquem juntos. Isto é, como pode o público torcer por um casal que vive apenas nos extremos (perfeição e brigas)?

O segundo problema é o formato “picotado” da narrativa, que, ao fragmentá-la, evidentemente não colabora para criar naturalidade para as discussões do casal. Os debates parecem episódicos, o namoro aparenta ser radicalmente frágil e tudo o que aparece antes é posto em xeque. O roteiro poderia suprir seus equívocos com atributos promissores, como as profissões de cada um (associá-las às suas personalidades) e a subtrama envolvendo o pai de Marco. Não é isso que ocorre: no exemplo do pai, o que é feito é um rascunho de drama apelando para o choro.

O drama e o romance, inclusive, são gêneros para os quais Porchat não tem vocação. O ator vive ele mesmo, com overacting eventualmente engraçado, mas sempre com os mesmos berros e o mesmo jeito de ser. Sandy Leah também vive ela mesma, ainda que tente passar, mais uma vez, a imagem falsa de uma mulher comum. Assim como a música “Evidências” se solidificou na cultura popular brasileira como música de karaokê, Sandy se solidificou como uma moça delicada, frígida e branda, quase angelical. Enquanto Marco aparece completamente nu, exagero que combina com Porchat; Laura, quando aparece seminua, velozmente se veste. Ao cantar, Marco desafina e se entrega; Sandy não desafina, mas também não tem a mesma emoção de uma canção que fala justamente sobre emoções. Há uma diferença de tom e de exposição que faz com que Marco e Sandy, ou Laura e Porchat, não combinem, prejudicando o romance. A “repaginada” visual da cantora-atriz, por exemplo, soa como uma tentativa de disfarçar sua artificialidade ao falar palavras de baixo calão, que, saídas de sua boca, soam forçadas. No humor, Júlia (Evelyn Castro) é a mais autêntica, apesar de ficar cansativa em alguns momentos. Contudo, eventuais risadas não devem levar o espectador a negar as aparências e disfarçar as evidências de um filme fraco.