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“FADA MADRINHA” – Tenta renovar o clássico, mas de forma clássica

As pessoas não acreditam mais na felicidade. Mas deviam, porque ela existe. Talvez não a felicidade nos moldes dos contos de fada. O mundo muda, as pessoas mudam, o conceito de felicidade muda. É essa a ideia principal de FADA MADRINHA. Se de um lado é interessante tentar renovar uma noção clássica, de outro a forma como o filme tenta fazer isso é fajuta.

Eleanor é uma fada madrinha em treinamento – a única a se inscrever nas últimas décadas. Sabendo que o fim da sua profissão é iminente, ela procura uma carta de alguma menina precisando de ajuda. O que encontra é a carta de Mackenzie, que tinha dez anos quando a escreveu, mas que agora está adulta e cuidando sozinha de duas filhas. A missão de Eleanor pode não ser mais a mesma, mas a pessoa que ela vai tentar ajudar ainda é Mackenzie.

(© Disney+ / Divulgação)

O roteiro de Melissa Stack é composto de três tramas. A primeira é a da própria Eleanor, vivida pela esforçada Jillian Bell. Atrapalhada e inexperiente, a jovem fada é o centro cômico do plot aventuresco, porém, como era de se esperar, tem um bom coração capaz de transformar as pessoas que estão ao seu redor. Ou seja, o papel é clichê, o que não se modifica em relação às personagens principais das outras duas tramas. A segunda é a de Mackenzie, que tem na limitada Isla Fisher uma atuação anódina. Ela é a mulher descrente que muda de vida quando Eleanor aparece – após atrapalhá-la bastante, é claro. Jillian Shea Spaeder é Jane, que tem um pequeno arco dramático relativo à adolescente tímida que guarda um grande talento e que precisa de alguém (quem será?) para impulsioná-la a mostrar do que é capaz.

Em termos de construção de personagens, “Fada madrinha” é extremamente frágil, seja pela superficialidade, seja por abraçar clichês. Na sua diegese, considerando a premissa, tudo está pronto para um encaixe, pois histórias de fadas madrinhas têm um fundo idêntico quase todas as vezes. O texto não aproveita como poderia os “bastidores” do mundo das fadas, limitando-se a revelar que um universo outrora sólido está agora em decadência. O motivo da decadência é que é interessante: a descrença geral na felicidade. As pessoas, segundo o filme, pararam de acreditar no “felizes para sempre”. Somente quando o filme ressignifica – ainda que timidamente – noções como “amor verdadeiro” e “felizes para sempre” é que ele encontra o seu ápice. Tratando-se de uma produção Disney com inegável espírito Disney, a mensagem final, expressa (no discurso das personagens) e implícita (por exemplo, no casal se declarando para seu bebê), consegue ser eficaz.

Na verdade, o defeito do filme é a articulação feita para chegar às ideias finais. É verdade que, por exemplo, existem furos no roteiro (como Eleanor e Paula podem estar explodindo abóboras em uma rua onde qualquer pessoa pode vê-las?), contudo, em sua maioria, são superados pela suspensão da descrença (no caso mencionado, o problema é que haveria uma investigação sobre o suposto crime de explosão de abóboras). Uma obra como “Fada madrinha” não precisava ser impecável para ser boa. A questão é que o que ele apresenta de qualidade é bastante diminuto.

A comédia do longa depende muito de Bell, funcionando ora sim, ora de jeito nenhum. Sua ingenuidade era para ser encantadora, porém o nível de estupidez é infantil em demasia, por vezes, até para as crianças. Sharon Maguire também não faz as melhores escolhas na sequência das piadas – como no casaco (o que parece um saco de dormir) que Eleanor coloca em Mackenzie, que teria mais graça se a segunda tivesse dificuldade de locomoção logo ao sair do carro, não após pedir para a primeira tirá-lo de si (isto é, a sequência teria mais fluidez se não fosse excessivamente didática).

A diretora revela algum engessamento também no uso de trilha musical. A piada em que Agnes (June Squibb) joga um travesseiro quando Eleanor começa a cantar é boa, assim como a sequência envolvendo as músicas “YMCA” e “Cheek to cheek”, o que revela que as músicas diegéticas funcionam bem melhor que as extradiegéticas. No segundo tipo (“It’s beginning to look a lot like Christmas” e “Joy to the world”, dentre outras), em geral a serventia é em transições, com cenas curtas e sem grande função narrativa, algo bastante burocrático.

Graficamente, “Fada madrinha” usa mais CGI do que deveria. Salvo nas explosões, que não demandam esmero no trabalho (apenas pirotecnia), a computação gráfica é simplória (o cavalo, o guaxinim etc.). De certa forma, imageticamente o filme é compatível com o que ele apresenta no todo, ou seja, pouco. Poderia engendrar uma reflexão sobre o sensacionalismo da mídia, ao abordar o trabalho de Mackenzie, mas vai pelo caminho mais fácil de explorar a obsolescência do retrato dos contos de fadas. É positivo que amplie o conceito de felicidade, mas a maneira como faz é prosaica (clássica, por assim dizer), mesmo sendo infantil seu público-alvo.