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“FALE COM AS ABELHAS” – A dança sutil

A comunicação pode ocorrer de diversas maneiras. Ainda que seja comum pensar na comunicação verbal como a principal, muito é dito através de sinais sutis, como uma entonação vocal, um olhar ou um gesto. O cinema é também um meio de comunicar algo, não sendo o texto expresso (geralmente vocalizado pelas personagens) a única forma de comunicar – os cenários e a trilha musical, por exemplo, também exercem a função. Em FALE COM AS ABELHAS, a movimentação das abelhas é a maneira pela qual tais insetos se comunicam, premissa que constitui a espinha dorsal do filme.

Lydia é abandonada por seu parceiro, Rob, para cuidar sozinha do filho que tiveram, Charlie. Apesar de ter apenas dez anos, o garoto é bastante esperto e atento, desconfiando que há algo diferente do que está acostumado ocorrendo entre a mãe e a Dra. Jean Markham, médica que chegou há pouco tempo na cidade. Para uma pequena cidade na Escócia de 1952, um romance entre Jean e Lydia pode ter severas consequências para os envolvidos.

(© Arteplex Filmes / Divulgação)

O texto de Henrietta Ashworth e Jessica Ashworth, baseado na obra de Fiona Shaw, começa tendo Charlie como seu narrador, circunstância da qual se lembra apenas ao final. Trata-se de uma opção que facilita o trabalho narrativo, sendo usual uma personagem narrando fatos pretéritos no começo e no fim de um filme, introduzindo a história e deixando claro o que aprendeu com o episódio da sua vida. É por isso que Charlie está presente em quase todas as cenas, às vezes escondido e às vezes apenas no fim, mas de modo que seja capaz de chegar à conclusão com a qual encerra seu relato.

Gregor Selkirk tem em Charlie uma criança carinhosa e curiosa. Enquanto faz planos para atividades com o pai, questiona se mulheres se beijam; enquanto se oferece para ler um livro para a chorosa mãe, aprende expressões lesbofóbicas cujo significado não compreende. Ele se apresenta sempre nos momentos mais inoportunos possíveis (um homem assediando sua mãe, o sopro no pescoço de Lydia…), o que é mais uma facilitação do roteiro, mas que é plausível em se tratando de uma criança cuidada apenas pela genitora (apegando-se, portanto, a ela).

Não que Rob seja um pai plenamente ausente. Emun Elliott torna Rob uma personagem odiosa não por mudar de posição, mas porque muda sempre para pior. Em um primeiro momento, de fato, ele se exime da paternidade e se afasta da esposa. Não quer que Charlie brinque com sua medalha e diz para Lydia que ela terá de cuidar de si e do seu filho – ou seja, não assume que é pai do garoto. Contudo, posteriormente, abraça uma posição de propriedade perante o filho e perante a (ex-)esposa: ela não pode arranjar ninguém para desenvolver um relacionamento, sob pena de que ele “leve Charlie quando quiser”. Na cidade em que moram – que Rob chama de “minha cidade” -, o espaço da mulher é diminuto e submetido a uma figura masculina proeminente.

Não por outra razão, Lydia alerta Jean que demoraria um tempo para a população se acostumar com uma mulher como médica. As duas são muito diferentes: enquanto esta exerce um trabalho intelectual, aquela conserta máquinas de tecelagem; no primeiro encontro, a primeira tem como figurino um vestido, ao passo que a segunda está de calça (peça de vestuário que nem sempre foi aceita para as mulheres). Na ocasião, inclusive, Lydia está com sapatos de pares distintos, simbolizando a sua própria vida, que está sem um encaixe do qual carece. Quando as duas começam a se aproximar, encontram o que precisavam.

Stormy weather” é uma das músicas da trilha que simbolicamente mostra o momento turbulento da vida de Lydia. A cidade é cinzenta (não há Sol no céu, como diz a música) e a fotografia torna evidente a diferença em relação à casa de Jean, onde há o amarelo das abelhas e o verde do gramado (cores mais alegres). Quando toca “All of me”, a diretora Annabel Jankel faz uma bela rima visual ao comparar a “dança” das abelhas com a dança de Jean, Lydia e Charlie – os três se comunicam como uma família feliz, algo que mãe e filho não eram antes de Jean.

Anna Paquin e Holliday Grainger encantam como Jean e Lydia, respectivamente, mas as personagens são mais encantadoras do que as atrizes, entregando-se a uma paixão fora do script das suas vidas, e que talvez por isso consiga alavancar suas trajetórias pessoais. “Fale com as abelhas” é bonito, especialmente em relação à “dança” das abelhas, metáfora para a comunicação não-verbal. Nesse aspecto, porém, o filme deixa a desejar por tratar mais da dança literal do que da dança metafórica, tornando o texto explícito demais. A dança das personagens seria fascinante se fosse mais sutil.