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“GEMINI: O PLANETA SOMBRIO” – O primo pobre

Nem sempre é necessário ser completamente original e criativo no cinema. Na verdade, isso é cada vez mais difícil. Usar os clássicos como referência pode ser uma virtude, desde que haja algo que permita distinguir a obra nova da sua citação antiga. No caso de GEMINI: O PLANETA SOMBRIO, as referências são mal utilizadas por atributos péssimos e não há nada que o individualize.

A vida na Terra está com os dias contados, então uma missão espacial é enviada para terraformar um planeta distante. Na empreitada, porém, seus integrantes se deparam com algo desconhecido que põe em risco as suas vidas e, por consequência, a sobrevivência da humanidade.

(© Paris Filmes / Divulgação)

É difícil escolher o que é pior no filme. A direção de Serik Beyseu claramente não tem a capacidade de lidar com o híbrido de gêneros que a obra tenta constituir. Parte do crédito não pode deixar de ser atribuída aos roteiristas Natalya Lebedeva e Dmitriy Zhigalov, que falham na narrativa, nos diálogos e nas personagens. Parcela da culpa é também de Egor Koreshkov, um protagonista risível.

Nos minutos iniciais do longa é apresentado o backstory da humanidade da maneira mais didática possível, quase como uma apresentação em Power Point com narração voice over e imagens ilustrativas sobre a degradação ambiental que a Terra vem sofrendo. O que parece ser um filme sobre a importância da preservação do meio ambiente rapidamente se torna um sci-fi dependente de efeitos visuais artificiais como de um videogame e minado por um drama romântico muito mal inserido. O relacionamento entre o protagonista Steve e sua namorada Amy (Alyona Konstantinova) surge inicialmente como uma história de amor traumaticamente interrompida, porém mais ao final o script opta por dar centralidade ao casal. O problema não é essa centralidade, tampouco uma mudança de encaminhamento, mas a completa falta de base para dar solidez aos dois enquanto casal. Os roteiristas não decidem se Steve é herói ou vilão, postergando seu arco com Amy para que, quando esse arco tiver importância, acabe lhe faltando substância.

Em outras palavras, não é possível se importar com o romance entre os dois porque esse romance é abordado em doses homeopáticas lentas e tardias (oportuno lembrar que a película tem apenas noventa minutos), e ofuscado pelo terror que o longa adota no segundo ato (que é surpreendentemente menos ruim). De nada adianta injetar os flashbacks entre Steve e Amy, ainda que com músicas que tentam criar uma atmosfera romântica, se o casal não é bem apresentado para que o espectador se identifique com ele (pior, tudo demora para ficar claro). Há também um erro de escalação, dada a limitação, para dizer o mínimo, de Koreshkov. Sua atuação risível, aliás, guarda uma coerência irônica com os diálogos patéticos do roteiro, que vão desde “felizmente eu tomo as decisões” (um autoritarismo vilanesco que se assemelha às criaturas malvadas dos desenhos infantis, faltando-lhe apenas a risada maléfica) a comparações estúpidas – ora pela obviedade (em relação ao Cavalo de Tróia), ora por ser pedestre (em relação à tourada).

De um sci-fi padrão o diretor muda para para um “primo pobre” de “Alien, o oitavo passageiro” de maneira escancarada – até mesmo o ruído da criatura é uma cópia (além, é claro, do visual similar e do mesmo modus operandi). “Gemini” é na verdade um primo paupérrimo de diversos outros filmes que se inspiraram em clássicos como o mencionado e “Aliens: o resgate”. Os erros são já conhecidos (segredos que deveriam ter sido compartilhados, irresponsabilidade, subdivisão do grupo, desobediência às ordens etc.), o que não seria tão problemático se não fosse a abordagem pavorosa do diretor e dos roteiristas. Por exemplo, a despeito da coesão da fotografia com as cores fosforescentes, o spinning shot da cena final é tão mal feito (longo demais e com cortes que, em tese, teriam a função de atenuar a sensação de tontura, porém sem êxito) que não parece um trabalho profissional. Outro exemplo de erro está na personalidade de Steve, que é hostil a todos, exceto David (Dmitriy Frid), o que é (supostamente) explicado por um mero flashback, mais uma vez, tardio, que na realidade não é suficiente para demonstrar um vínculo que justificasse a amigabilidade.

Seria possível mencionar as explicações frágeis e as lacunas insuscetíveis de sutura, mas o problema central de “Gemini” é que lhe falta uma identidade. Apesar de se inspirar em grandes títulos da ficção científica, a qualidade de seu desenvolvimento em todos os aspectos é ruim o suficiente para distanciá-lo de quaisquer deles. Não havendo nada que o destaque positivamente e sequer subsistindo uma referência elogiável, chamar o filme de “primo pobre” é elogio.