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“GODZILLA MINUS ONE” – Retorno à Segunda Guerra

Godzilla é muito mais do que um monstro capaz de destruir tudo o que encontra. Na sua concepção original, isto é, no filme de 1954 dirigido por Ishirō Honda, o kaiju era uma alegoria para os horrores da bomba atômica, pensando em especial em Hiroshima e Nagasaki. Com o passar dos anos, surgiram diversas versões no Japão e em Hollywood, mas é muito satisfatório ver, no nipônico GODZILLA MINUS ONE, um retorno do monstro às suas origens.

Koichi era um piloto kamikaze durante a Segunda Guerra, ou seja, sua tarefa era morrer para matar o inimigo. Com medo da morte, ele finge que seu avião está com problemas mecânicos para ganhar tempo. Na ilha em que as máquinas estão sendo consertadas, ele acaba sobrevivendo ao ataque da gigantesca e assustadora criatura conhecida como Godzilla. No retorno para casa após o fim da Guerra, o Japão está devastado, cenário que se agrava com a iminência de novos ataques do monstro.

(© Sato Company / Divulgação)

A produção representa um retorno de “Gojira” às suas origens, associando-o às atividades radioativas que vitimaram o Japão no período de Guerra e afastando-o do ser geneticamente modificado resultante de testes nucleares do governo estadunidense (como em “Godzilla”, de 1998, versão de Roland Emmerich). Igualmente, o filme dirigido e roteirizado por Takashi Yamazaki coloca o ser assustador como o inimigo dos seres humanos, diversamente de “Godzilla” (2014), “Godzilla II: rei dos monstros” (2019) e “Godzilla vs. Kong” (2021), que cada vez mais fizeram do lagarto um ser, na medida do possível, carismático ou mesmo aliado da humanidade. Para Yamazaki (e Honda), trata-se de um monstro em todos os sentidos.

O cineasta tem no currículo, majoritariamente, obras de animação e trabalhos com efeitos visuais, de modo que o aspecto gráfico de “Godzilla minus one” é esplendoroso. Com um orçamento inferior a 10% da versão hollywoodiana de 2021, o resultado impressiona muito. Não há tentativa de esconder a criatura, ao contrário, ela aparece logo nos primeiros minutos. A cena é noturna e há recursos para ocultar limitações técnicas (usando o mar e a fumaça, por exemplo), mas a visibilidade das cenas nunca é prejudicada. A concepção visual de Godzilla é fiel à de 1954 do ponto de vista ideal, tornando-o animalesco, sem expressões que o tornariam simpático ao público. Nos detalhes, soberbos, aparecem os dentes pontiagudos naturalistas e a saliva quando a boca se abre, além das escamas; nas proporções, as patas, quando contrapostas aos humanos, mostram seu tamanho colossal; seu centro de gravidade é baixo pelo corpo robusto, tornando sua movimentação mais lenta. O caráter animalesco se reflete também no som, seja no incrível rugido, seja nos ruídos de seus passos ou mesmo na trilha musical, que transmite sensações de incômodo, atordoamento e medo.

O diretor é hábil em estimular o espectador a ingressar na atmosfera do longa. Isso se reflete no balançar do interior do barco e no tremer da terra com os passos de Godzilla, em que aspectos imagéticos e sonoros são bem explorados. O clímax é eletrizante e, nas outras cenas de ação, urgência e perigo são impecavelmente criados tendo “Tubarão” como referência. No drama, “O velho e o mar” se torna inspiração na medida em que o lagarto funciona para o protagonista uma obsessão análoga ao peixe que Santiago quer fisgar. Há momentos de brilhantismo dramático, como na forte imagem da chuva negra (a citação não poderia ser mais clara e poderosa), porém o lado humano do longa poderia ser melhor. Ryunosuke Kamiki reúne em Koichi as características básicas do protagonista, alguém extremamente traumatizado pela Guerra e que se considera culpado por tudo o que acontece, encontrando em um inesperado afeto familiar um alívio para as dores. Ao seu lado, Minami Hamabe acerta ao fugir do clichê da mulher apaixonada, sendo antes uma companheira de vida. A despeito das boas atuações, o filme alonga em demasia seu lado humano, com momentos que poderiam ser reduzidos ou retirados sem grande prejuízo. É o caso, por exemplo, das cenas em que o plano mirabolante é exposto aos participantes da organização paramilitar, quando uma versão resumida seria suficiente.

Ainda assim, a produção é um exemplo de como é possível “fazer mais com menos”. Os aspectos de geopolítica – o monitoramento de Godzilla pelo governo estadunidense (usando simulação de imagens de arquivo), o medo do agravamento da tensão entre Estados Unidos e União Soviética – são um plus em relação ao que o monstro representava desde a sua origem. “Godzilla minus one” é um filme antiguerra e histórico, usando a criatura para lembrar o quanto um confronto armado, mais ainda nuclear, pode ser nefasto. O rastro de destruição deixado por Godzilla é símbolo da maior perversidade que já se viu, sendo essa metáfora mais forte que o drama (real, mas também simbólico) de Koichi. Todavia, ambas são alegorias necessárias sobre uma lição de décadas que merece ser recordada.