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“GRAVIDADE” – Motivação para (sobre)viver

Ainda que se passe no espaço e mesmo sendo uma ficção científica, GRAVIDADE não é um filme sobre espaço, nem propriamente sobre ciência. Sua espinha dorsal é sobre a sobrevivência no espaço, o local mais inóspito que se possa imaginar. Mas esse não é o tema do longa.

Matt Kowalski é um experiente astronauta e líder de uma missão de conserto do telescópio Hubble, trabalho de responsabilidade da doutora Ryan Stone, a quem comanda. Durante a execução da missão, eles são atingidos por detritos resultantes de um satélite destruído por um míssil russo. O acidente então os deixa largados em pleno espaço sideral, sem uma nave e sem comunicação com a base terrestre, mas precisando sobreviver.

(© Warner Bros. / Divulgação)

É verdade que “Gravidade” não é fiel aos aspectos científicos atrelados ao seu plot, isto é, existem diversas falhas científicas no longa. Contudo, o olhar que aqui se propõe não é científico, mas artístico – e, artisticamente, a produção é um espetáculo visual e sonoro. A direção de fotografia é de Emmanuel Lubezki, responsável pelo que James Cameron chamou de “a melhor fotografia do espaço já realizada” (segundo Cameron, foi também “o melhor filme já feito sobre o espaço”). Deslumbrante, o filme mostra o planeta Terra com seu azul vivo e majestoso, tão encantador quanto na cena em que a parte terrestre do globo ganha coloração amarelada com o Sol nascente (representado por um feixe ao fundo). Nos contrastes, o fundo preto estrelado amplia a sensação de imensidão quando destaca o quão minúsculo é um astronauta, em seu traje branco, face àquilo tudo.

O diretor Alfonso Cuarón é bastante exitoso na imersão do espectador, fazendo com que o campo seja enxergado através de ocularização subjetiva – gotículas de água flutuando e “colando” na tela são exemplos de como a plateia é inserida naquele cenário. A ideia é fazer com que o espectador se sinta como mais um astronauta em traje espacial (o que explica o reflexo da luz solar, simulando a visão através de um capacete). O 3D é muito bem utilizado, sem excessos no ativo, evitando o cansaço. A câmera é outro instrumento de imersão, flutuando junto das personagens nos momentos mais tranquilos, mas se movimentando desenfreadamente nas cenas agitadas. Naqueles, é possível se maravilhar com o esplendor de um palco incomparável; nestas, o desespero que abraça Stone e Kowalski toma a plateia, embalada pela boa trilha de Steven Price (que é ótima nas músicas essencialmente sci-fi, como “Above Earth” e “Airlock”; nem tanto nas que se aproximam às do gênero drama, caso de “The Void”, e ação, como “Fire”).

A mise en scène de Cuarón é devastadora. Quando a doutora Stone sente que está ficando sem ar, seu capacete fica embaçado e a câmera se aproxima em close, anunciando que minutos asfixiantes estão por vir. Igualmente, quando ela tira o traje espacial, a sensação é libertadora. Na mesma cena, percebe-se que, por baixo do volumoso traje espacial está uma vestimenta diminuta. A personagem então se coloca em posição fetal, o que enaltece a sua vulnerabilidade (quiçá ao perceber os perigos cuja proporção não imaginava). A atuação de Sandra Bullock é mais interessante nos detalhes: por exemplo, a potência vocal é reduzida na mesma medida em que perde as forças e a esperança de sobrevivência. Stone é uma mulher bastante séria, talvez até mesmo antipática com os colegas de trabalho por preferir o silêncio (ao pedir ao Controle que retirasse a música). Porém, isso constitui uma estratégia para ocultar seus próprios traumas (que, por sua vez, acabam sendo fonte de motivação). O gosto pelo silêncio espacial não é mera preferência, mas resiliência à solidão que sua vida se tornou.

O mesmo não pode ser dito de Kowalski, que gosta do visual espacial porque é uma pessoa de personalidade completamente distinta à de Stone. George Clooney o encara como descontraído (belos olhos azuis) e  bem-humorado (“quem dá o nome de Ryan a uma menina?”), todavia o astronauta não é um de seus melhores papéis. O roteiro de Alfonso e Jonás Cuarón não é composto de personagens cativantes (tampouco desinteressantes, é bom dizer) e, embora motivo por bastante ação, não é esse seu elemento central. Com um quê de “127 horas”, o objetivo de “Gravidade” é explorar o comportamento humano ao enfrentar as mais variadas intempéries e, principalmente, demonstrar o que constrói a força de vontade.

À primeira vista, a força de vontade é resultado de uma obviedade, a sobrevivência. Porém, desistir se torna mais fácil quando a álea coloca alguém em situação desfavorável, como ensina Kowalski para Stone. No invólucro da ficção científica, “Gravidade” propõe questões existenciais bastante simples, que podem ser resumidas a uma palavra (e eis o verdadeiro tema da obra): motivação. Somente com motivação é que é possível sobreviver. E o mesmo acontece com o viver.