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“GRETA” – Quebrando o tabu

Em 1932, Greta Garbo protagonizou o filme “Grande Hotel”, que conta a estória de uma dançarina que não acredita no amor até conhecer um barão falido, Felix von Geigern. De certa forma, o longa GRETA aproveita o plot do clássico, homenageando a sua estrela, de maneira periférica, ao mesmo tempo em que aborda sexualidade e afetividade na terceira idade.

Greta” é protagonizado por Pedro, um enfermeiro de setenta anos que ajuda sua amiga Daniela e o novo paciente Jean ao acomodar este em sua casa e aquela no leito onde ele estava. Porém, Daniela, uma mulher transexual, não quer ficar em uma ala do hospital onde todos os pacientes são homens. Quanto a Jean, ele foi levado ao local pela polícia, tornando-se fugitivo com a ajuda de Pedro – que também quer algo em troca.

Cartaz de “Greta

Escrito e dirigido por Armando Praça, a obra tem um problema narrativo: ao optar por um roteiro character driven (ao invés de plot driven), a vantagem é aprofundar nas personagens, com o perigo, todavia, de recair em monotonia – o que se concretiza. Pedro, Daniela e Jean são bem aprofundados, além das suas respectivas interações, entretanto a narrativa se torna cansativa e pouco se desenvolve para justificar os menos de cem minutos de duração. Na verdade, ocorre o oposto: há uma sequência de vaivéns que beira o desinteressante.

A grande estrela do longa é o Pedro de Marco Nanini, um protagonista instigante. O ator se despe (literalmente) de quaisquer pudores que pudesse ter, apresentando uma persona bastante humana, em trabalho interpretativo excelente. Pedro escolhe a clandestinidade para viver a sua sexualidade – afinal, gays idosos precisam se ocultar da sociedade, que não permite que eles sejam quem são. Essa é uma primeira crítica do filme, que fica clara não apenas com Pedro, mas também com outra personagem, que ressalta as situações de desespero nas quais pessoas nessa condição se encontram para conseguir sexo. Em termos sociais, não existe sexo na terceira idade – ou, se existe, precisa ser de maneira escondida -, muito menos homoafetividade. São dois tabus que “Greta” escancara.

É nesse contexto que entra Jean (Damick Lopes, razoável), cujo desespero justifica um certo acordo que estabelece com Pedro. Na ótica de Jean, o crime supostamente cometido é justificado pela legítima defesa, enquanto o que o protagonista lhe fornece é uma chance de recomeçar. Em alguns momentos, ele esboça uma carência afetiva, como ao questionar o que Pedro faria sem ele. Aliás, este também tem essa falta, contudo se utiliza do sexo para suprir a carência afetiva – nem que para isso precise interagir com pacientes do hospital à noite (tudo sempre de forma oculta). Porém, o sexo não exclui a afetuosidade de nenhum deles (seja pelos apelidos carinhosos que Jean dá a Pedro, seja pelo cuidado que o primeiro presta ao segundo). Jean é a fome; Pedro, a vontade de comer.

Ao unir a fome à vontade de comer é que a película se torna repetitiva, pois Jean e Pedro convivem entre tapas e beijos, sem muita evolução no relacionamento. No começo, é interessante acompanhar a abordagem do protagonista, que elimina as barreiras aparentes para flertar com o hóspede. No entanto, a instabilidade do seu sentimento em relação a Jean, ainda que coerente, obsta completamente um desenvolvimento narrativo. Paradoxalmente, é uma coadjuvante que evolui: Daniela (Denise Weinberg, uma atriz cisgênero em papel de transexual) enfrenta graves problemas de saúde sem deixar de lado sua personalidade forte. Mesmo sofrendo, ela não abandona o discurso imperativista e o linguajar chulo. Na primeira parte do filme, a transexualidade é tema (o local onde ela fica no hospital e o trato pronominal por parte das policiais), migrando para a questão da doença.

Marco Nanini usa um penteado similar a um dos que Greta Garbo, sua musa, utilizou. A atriz é utilizada na trama como referência do plot (“Grande Hotel”, mencionado expressamente), mas também – e principalmente – como símbolo do desejo na terceira idade. Entre representações discretas indicando práticas sexuais, talvez, heterodoxas (algemas e a porta da casa do protagonista parecendo a de uma cela), a fotografia de Ivo Lopes Araújo acerta ao utilizar cores dessaturadas e iluminação precária (por vezes, as personagens ficam na penumbra), pois os assuntos abordados representam um tabu deveras espinhoso (a ereção que aparece choca mais o público nacional do que a violência mais sanguinária na franquia “Rambo”, por exemplo). Não é à toa que Armando Praça oferece enquadramentos através de frestas, já que a matéria abordada implica clandestinidade. Tabus existem para serem quebrados – e isso “Greta” faz bem.