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“HALLOWEEN ENDS” – Primeiro de novembro [24 F.Rio]

Laurie Strode, Michael Myers e a noite de Halloween já tiveram muitos finais desde o fim dos anos 1970. Os personagens e a premissa criados por John Carpenter passaram por linhas temporais distintas, remakes, reboots e releituras ao longo de todo esse tempo que culminaram em muitas versões para o dia das bruxas e para os desdobramentos do dia seguinte. Em 2022, mais um desfecho acontece para a história do assassino mascarado que amedronta Haddonfield, fechando o ciclo da trilogia composta por “Halloween” de 2018 e “Halloween kills” de 2021. Por mais que outras produções do universo tenham desagrado fãs e crítica, HALLOWEEN ENDS chega a uma conclusão surpreendentemente desgastada que não parecia provável no início da trilogia.

(© Universal Pictures Brasil / Divulgação)

Quatro anos após os eventos que geraram uma histeria coletiva entre os moradores de Haddonfield e mais um derramamento de sangue, Laurie vive com sua neta Allyson enquanto termina seu livro de memórias. Nesse período, Michael não foi mais visto. Porém, a tranquilidade e a segurança ainda não chegaram ao local porque uma nova onda de violência se inicia após a prisão de Corey, acusado de assassinar um menino de quem cuidava. O retorno do terror faz Laurie abandonar uma vida mais pacata sem medo e preocupações para novamente combater aquele mal, decidida a acabar de uma vez com todas com sua ameaça sobre a cidade.

A retomada do mundo diegético criado por John Carpenter pelo diretor David Gordon Green começou com elogios ao direcionamento dado em 2018. Em parte, a recepção positiva se dava por conta da impressão duvidosa deixa pelo “Halloween 2” de Rob Zombie, mas principalmente porque a nova trilogia partiu da perspectiva psicológica conturbada de Laurie Strode à espera de um novo confronto com o psicopata. A segunda parte lançada em 2021 foi mais divisiva ao deixar o embate entre seus dois personagens lendários de lado e se concentrar na influência devastadora do vilão sobre Haddonfield, a personificação do mal que pode abalar a estabilidade de uma pequena cidade a partir do desespero e do medo. Então, conceitualmente, seria coerente finalizar a trilogia desenvolvendo ainda mais um estudo sociológico sobre as consequências de Michael Myers para aquele lugar. A questão é refletir de que maneira esta intenção é concretizada nas escolhas formais da narrativa.

Um personagem específico simboliza a decisão do cineasta de continuar a análise da sociedade através de um microcosmo dentro do subgênero slasher com suas convenções próprias. Corey é um jovem que pretende estudar engenharia e ganha seu dinheiro como babá, até o momento em que cuida de um menino na noite de Halloween. Inicialmente, a sequência de abertura que mostra um acidente trágico e as suas implicações para Corey parece deslocada das expectativas criadas para o acerto de contas entre Michael e Laurie. Com o passar do tempo, torna-se mais claro o que se pretende fazer: abordar o que pode acontecer com um homem ofendido, intimidado, excluído e agredido por algo que não fez. Um sujeito, nessas condições, pode sofrer distúrbios emocionais e ceder a impulsos violentos? Esta eventual transformação pode se relacionar ao histórico de violência já observado na cidade? Em si mesmas, as discussões são instigantes, porém a condução do personagem e a atuação de Rohan Campbell enfraquecem essas possibilidades. O ator tem dificuldades de dar a dimensão crescentemente perturbada que o papel desafiador pede e a direção não consegue envolver o espectador em seus dramas.

Sob outro ângulo, a caracterização de Corey e as indicações de seus destinos não se desviam de escolhas óbvias que mantêm a proposta dramática em um lugar menos criativo. Em algumas cenas, David Gordon Green depende de metáforas nada sutis que são reforçadas, repetidas e enunciadas seguidamente para dar a falsa sensação de ser algo profundo. Este problema se abate, principalmente, sobre o uso alegórico do ferimento na mão de Corey, que está ali para traçar um paralelo entre a infecção gerada pela falta de cuidados e a contaminação moral dos moradores da cidade por culpa de Michael Myers. E ainda faltam sutilezas nas tentativas de utilizar outras máscaras como prenúncios do que ainda está por vir. Em outras cenas, David Gordon Green tenta emular momentos marcantes do “Halloween” original, como a sensação de alguém estar seguindo Laurie e a posição de Corey na rua observando a janela da casa de Laurie. Porém, os momentos que ecoam o primeiro filme não chegam a construir uma unidade estilística própria e e resumem a referências visuais efêmeras.

Então, o componente sociológico buscado pela narrativa surge mais frustrante do que no filme anterior. David Gordon Green prioriza tanto o desenvolvimento dos personagens que falha nesse recorte em particular e na própria encenação de um slasher. A construção dramática não consegue afastar de si a impressão autoindulgente de se achar muito profunda quando, na realidade, não é por conta dos diálogos supostamente densos entre Laurie, Corey e Allyson. Não deixa de ser uma contradição comparar a frase “Vamos nos divertir nessa noite de Halloween” dita por Corey na sequência inicial e a ilusória profundidade dramática na obra como um todo, especialmente as metáforas sobre colocar fogo na cidade e ver surgir ou ressurgir um novo bicho papão. Consequentemente, a narrativa abre brechas para pensar que ela renega as convenções clássicas do terror em nome de uma atmosfera elevada, intelectualizada ou mais importante do que o gênero. Adiar os momentos mais violentos faz parecer que os realizadores buscavam justificar os motivos para terem que filmar os ataques de um vilão mascarado.

Adiar os ataques do assassino e fazer a trama girar em torno de um novo personagem criam altos custos que comprometem as três figuras mais importantes da produção. Allyson poderia ter uma relevância maior, considerando-se o que ocorreu com ela quatro anos atrás e o assassinato brutal de sua mãe, mas é limitada a ser o par romântico desinteressante de Corey e um artifício pobre de roteiro apenas ligado a ele. Laurie poderia representar uma parte do confronto final esperado contra o vilão e um contraponto ao desespero de uma comunidade, porém é transformada em um elemento passivo do roteiro capaz somente de evidenciar par o público a nova ameaça em curso. E Michael Myers é desprezado em seu próprio universo não conseguindo ser efetivamente a influência maligna que trabalha nas sombras, exceto nos momentos constrangedores em que aparece como um acessório, um guru ou o símbolo de uma conexão espiritual risível. Assim, as atrizes Andi Matichak e Jamie Lee Curtis têm pouco a fazer a não ser ver os arcos narrativos de suas personagens serem esvaziados ou exauridos.

Tantas questões irregulares ou problemáticas depois, chega enfim o que mais se esperava para o fechamento da trilogia. A subtrama que abordava a infiltração do mal na cidade não vai a nenhum lugar interessante e é finalizada sem proporcionar nenhuma contribuição concreta ao universo Halloween. Na realidade, a resolução desse arco é construída de forma frágil escancarado as limitações do personagem Corey, sua transformação e seu embate com a família Strode. A princípio, seria benéfico para a narrativa resolver essa abordagem diferente para abrir espaço para o aguardo confronto entre Laurie e Michael. Apesar de ser o aspecto mais importante, este conflito é tão marginalizado e esquecido que, quando enfim acontece, torna-se anticlimático como se fosse uma mera obrigação a ser cumprida. A partir daí, todos os desdobramentos drenam o poder das imagens criadas, que deveriam ser em teoria impactantes. Mortes acontecem, desentendimentos são resolvidos e processos de cura são feitos na noite das bruxas e no dia posterior. Quando se chega ao dia primeiro de novembro e a conclusão de “Halloween ends“, a franquia novamente se encerra em um lugar de desgaste para Laurie Strode e Michael Myers.

*Filme assistido durante a cobertura da 24ª edição do Festival do Rio (24th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).