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“HAN SOLO: UMA HISTÓRIA STAR WARS” – Três desafios

Havia três desafios a serem enfrentados por HAN SOLO: UMA HISTÓRIA STAR WARS. Dois deles foram obtidos. Quanto ao terceiro, é cedo para prever. Trata-se de uma mistura de prequel de “Star Wars: uma nova esperança” e spin-off (em maior dose) da personagem que dá nome ao título do longa. Em síntese, uma história da origem de Han.

O primeiro desafio era manter o carisma da personagem, antes encarnada por Harrison Ford. Alden Ehrenreich não é um ator gabaritado – tampouco Ford o era nas décadas de 1970 e 1980 – e não atinge o grau de carisma do predecessor. Entretanto, pela fidelidade à personalidade de Han, Ehrenreich consegue fazer a sua versão simpática, como também é simpático o filme. Arrogante e ambicioso, além de extremamente autoconfiante, a essência de Han permanece intacta, inclusive a dúvida existencial sobre o seu caráter – seria ele um mocinho, um fora-da-lei ou um anti-herói?

Sabendo da limitação de Ehrenreich, a produção resolveu escalar um elenco de apoio mais gabaritado: Paul Bettany faz praticamente uma ponta, assim como Thandie Newton – esta, flagrantemente desperdiçada, mostrando um percentual ínfimo de seu talento em uma única expressão (no momento em que Val fica comovida com o nobre objetivo de Han). O Lando de Donald Glover é igualmente fiel ao de Billy Dee Williams, no mesmo viés narcisista, vaidoso, galanteador e trapaceiro. O ator encontra facilidade no papel.

Emilia Clarke e Woody Harrelson não estão mal em seus papéis, mas são prejudicados por um roteiro manifestamente exagerado nas reviravoltas. Uma reviravolta ou duas é um nível aceitável, porém o filme chega em um momento em que elas são tantas que a previsibilidade impera (o resultado, por via oblíqua, é uma duração excessiva). Jonas Suotamo repete o papel de Chewie, já interpretado em “Star Wars: os últimos jedi” (antes o responsável era Peter Mayhew), quase recebendo um arco dramático pessoal (mas foi apenas um flerte do roteiro). Quem rouba a cena, porém, é Phoebe Waller-Bridge como a androide L3: embora sua participação seja pequena, a personagem é fascinante ao defender os direitos dos droides – e, em última análise, os direitos das minorias, pois a metonímia está bem clara. Com humanidade e feminilidade, aliadas a um texto afiado e um design muito bem feito, a atriz acerta nas entonações vocais e cria pérolas inesperadas, como “soberano orgânico”.

O segundo desafio era a fidelidade ao universo Star Wars. Parece óbvio, mas havia o risco de “Han Solo” destoar do denominador comum já estabelecido na cinessérie – e essa certamente foi uma preocupação do diretor Ron Howard. Mesmo não sendo primoroso – por exemplo, Beckett é personagem essencial, interpretada por um ótimo ator (Harrelson), porém a montagem o leva da tristeza imensurável à tranquilidade em segundos -, o longa não desvaloriza o padrão de qualidade da saga. Seus elementos idiossincráticos estão lá, tais como o letreiro “há muito tempo, (…)”, locais exóticos com seres esquisitos e, por óbvio, o pressentimento de Han (fala obrigatória, mesmo que levemente alterada). A mitologia SW é um pouco verticalizada (recuperando personagens antigas, inserindo novas personagens) e mantendo o visual característico (por exemplo, Lady Proxima, criatura asquerosa cuja estética é coerente com o que já foi visto).

Howard não vai bem nas cenas de ação, como na do primeiro ato, que exagera nos cortes. Seu longa usa muito CGI, normalmente de boa qualidade. Variando os cenários dos planos abertos (lamaçal, névoa, neve e praia), o visual exageradamente escuro é muito prejudicial à estética, gerando a desconfiança de que o trabalho pode não ter sido do nível ideal (apesar do altíssimo orçamento: é o mais caro da franquia). No que está mais visível, o design de produção parece satisfatório, embora não seja destaque – dificilmente o seria, pois, como ocorre com a trilha sonora, o serviço é de reciclagem do que já existe, com pouca margem para inovação.

Ainda na esteira da fidelidade à mitologia SW, o Império está à espreita e, no fundo, a película é uma aventura com subtexto romântico – afinal, explorar o arco dramático de Han inafastavelmente implica romance. Aqui, a reflexão sobre a companhia para o convívio é um tema novo e interessante. O subtexto de opressão e rebelião contra o sistema, fio condutor da franquia, logicamente está lá (logo nos primeiros minutos).

Apesar de algumas falhas pontuais, “Han Solo: uma história Star Wars” está distante do desastre anunciado por alguns antes da sua estreia – mas também não é uma obra-prima. É fato que não é um filme necessário (alguém tinha curiosidade sobre a origem do nome do protagonista?), tampouco requerido pelos fãs (um spin-off de Obi-Wan, diversamente, é almejado por eles). Mas foi feito e se submete ao crivo do público. Eis o terceiro desafio: agradar os amantes da franquia.