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“HOMEM-ARANHA: SEM VOLTA PARA CASA” – De versus com

O Universo Cinematográfico Marvel (UCM) continua em franca expansão. Depois de “Vingadores: guerra infinita” (clique aqui para ler a nossa crítica) ter a chance de concluí-lo com ousadia, “Vingadores: ultimato” (clique aqui para ler a nossa crítica) esclareceu que a ampliação não seria descontinuada. O próximo passo era explorar o multiverso, introdução que ficou a cargo de HOMEM-ARANHA: SEM VOLTA PARA CASA. Há uma grandiosidade na ideia, que se descola dos alienígenas e das viagens temporais para adentrar em um novo conceito. Seria ótimo se tudo não fosse pretexto para um turbilhão de referências que realmente se salva apenas pelas suas consequências.

Depois de ter sua identidade secreta revelada em “Homem-Aranha: longe de casa” (clique aqui para ler a nossa crítica), Peter Parker precisa lidar com as consequências dessa revelação, que alcançam também sua namorada, seu melhor amigo e sua tia. Sentindo-se responsável por prejudicar quem ama, Peter pede ao Doutor Estranho que conjure um feitiço capaz de apagar da mente das pessoas que ele é o Homem-Aranha. Porém, o feitiço dá errado, fazendo com que ele precise enfrentar vilões de outros universos que viajaram para o seu e não estão dispostos a retornar aos deles.

(© SONY PICTURES / Divulgação)

Como não poderia deixar de ser em um filme do UCM, o humor é uma constante do roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers. Ele surge de situações (Peter flagrado no quarto com MJ), diálogos (Vingadores?), falas repetidas (“não me chame de senhor”) e atitudes (MJ jogando pão). Nem sempre, contudo, ele é funcional (salvo para a faixa etária infantil e infanto-juvenil), aproveitando-se melhor de personagens que exercem, assumidamente, a função de alívio cômico. É o caso de Ned (Jacob Batalon), que sempre foi o lado cômico da vida de Peter. Do elenco principal, Batalon é quem tem o melhor talento para o humor, ainda que Tom Holland não seja ruim nesse quesito.

Holland é capaz de entregar o drama exigido pelo protagonista (da trilogia, este é certamente o mais dramático), ainda que sem excelência. O trunfo de “Sem volta para casa” é que o script não tem receio de, ao final, dar ao herói consequências drásticas, por vezes trágicas, e que, em tese, geram danos irreparáveis. Esse filme, todavia, já foi assistido: “Vingadores: guerra infinita” também fez isso, mas o UCM não resistiu à tentação de dar uma desculpa e contornar as consequências ruins com “Ultimato”. Ou seja, o terceiro filme do cabeça de teia, isoladamente, demonstra coragem em mudar a vida do protagonista de maneira incontornável, mas não será surpresa se houver um retorno ao contexto anterior.

A coragem que o roteiro teve ao mudar a vida de Peter não foi repetida em relação aos seus subtextos. Acostumada com a expressão blasé, Zendaya tem com MJ uma repetição de um discurso desanimado como se fosse um mantra, algo que, todavia, não é dignamente refletido no longa. Quando o Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) diz para Peter que o problema de sua vida não foi a revelação da sua identidade, mas sua vida dupla, novamente se configura uma oportunidade perdida de mostrar as dificuldades causadas por um segredo de tamanha monta. Dos coadjuvantes, apenas a tia May de Marisa Tomei consegue sugerir uma reflexão maior, ofuscada, contudo, por uma referência marcante na história do teioso.

(Aviso: este parágrafo pode conter spoilers) Existem soluções inteligentes que movem o texto, como o adereço que faz com que Peter se lembre do Doutor Estranho e o modo como o super-herói consegue ajuda para enfrentar os vilões. Entretanto, não faltam inverossimilhanças, a começar pela facilidade de convencimento do mago, que, na lógica, seria muito mais resistente a praticar o feitiço requerido pelo jovem. Em alguns momentos, existe até uma preguiça explicativa, como em relação ao visual de Electro (Jamie Foxx). Por outro lado, alguns dos vilões conseguem esboços de arcos dramáticos próprios, como é o caso do Doutor Octopus (Alfred Molina). O número de vilões é grande, o que explica a importância de alguns ser maior que a de outros. Nesse sentido, quem rouba a cena é Willem Dafoe, que une o drama de Osborn à insanidade do Duende Verde deixando transparecer a diversão com que interpreta o papel. Há um exagero na força física da personagem, mas esse é provavelmente o único equívoco em relação a ela, abrilhantada por um ator que modifica suas expressões e sua voz para expor a dupla personalidade interpretada.

A direção de Jon Watts tem como grande dificuldade o ritmo do filme: após um início frenético e desnecessariamente longo, não são poucas as cenas dispensáveis. Há cenas muito boas, como a da dimensão espelhada, porém a dependência em relação ao CGI se torna uma faca de dois gumes. O rejuvenescimento de atores é muito bom, os trajes são belos e os ataques que demandam efeitos, em geral, são convincentes. Contudo, o chroma key da batalha final é vergonhoso, tal qual o trabalho visual em um vilão de outro universo (fazendo parecer que, mesmo após alguns anos, a tecnologia não avançou).

Para um filme de referências, “Sem volta para casa” não é entediante e usa bem a memória afetiva do público para que os vilões consigam provocar alguma reação (do contrário, eles seriam absolutamente vazios). A empolgação com easter eggs é tão grande que, ao invés de o resultado ser um filme com referências, trata-se de um filme de referências, uma colcha de retalhos que, na verdade, é pretexto para revelar o multiverso e dar ao fã o que ele quer (por exemplo, a participação especial do começo é completamente dispensável). Não é ruim, é apenas insuficiente.