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“ITHAKA – A LUTA DE ASSANGE” – A humanidade do mártir

Entre as múltiplas abordagens que o cinema de documentário pode assumir, as vezes a incisão direta se faz a mais necessária. Por trazer um estilo de captação mais próximo ao real, o gênero é reconhecido por dar voz a diversos acontecimentos verídicos, propagador de eventos altamente socioculturais. É o caso do duro, ITHAKA – A LUTA DE ASSANGE, que prioriza a objetividade ao falar do preso político Julian Assange.

Criador do famoso blog “WikiLeaks”, site de denúncia onde são disponibilizados documentos confidenciais dos Estados Unidos, o ativista australiano Julian Assange foi preso em abril de 2019. Ele segue preso desde então enquanto a sua esposa e seu pai seguem a campanha para libertá-lo, o que o filme retrata.

(© Pandora Filmes / Divulgação)

Dirigido por Ben Lawrence, é interessante como a obra constrói a figura do título através das percepções daqueles ao seu redor. Se o projeto aponta para a coragem de Julian ao extrair arquivos através da internet, existe nessas condições – ainda que impostas pelo triste contexto – uma discussão sobre a maleabilidade das imagens formadas on-line.

É como se o diretor reforçasse a dificuldade das lutas de Julian Assange e sua família – sua esposa, Teresa Assange, e seu pai, John Shipton – ao dimensionar a força desses ruídos em comunicação. Como salientar o status necessário para garantir essa libertação? Ainda que o filme não se aprofunde no debate virtual, é possível pensar nesse efeito como um complicador adicional.

Desse modo, o projeto é eficiente em estabelecer a crueza de sua atmosfera, emparelhando os familiares e o espectador de maneira quase imediata. Embora isso transmita uma áurea levemente publicitário ao todo, existe uma grande humanização por detrás dos entrevistados.

Os momentos que se debruçam em pequenos fragmentos pessoais da família demonstram bem o pavor compartilhado por seus membros, incapazes de manifestar esperança a todo momento. Seja nos fraquejos de voz, nas carícias dedicadas aos filhos muito jovens, ou no companheirismo que floresce entre sogro e nora, estamos sempre sendo recordados da dimensão humana de todo o conflito.

Nisso, surge uma dicotomia que em muito aprofunda a dimensão mais propagandística do documentário. A presença indireta de Assange, que se manifesta pela voz ou pela ilustração que se cria em torno de si, vai além das intenções mais imediatas do projeto, universal em seus questionamentos a respeito da luta por direitos.

Para além de mártires, símbolos do contemporâneo, todos ali são extremamente reais, e Ben Lawrence reconhece a preservação dessa humanidade como o seu maior trunfo. Por conta disso, “Ithaka – A luta de Assange” equilibra bem a sua necessidade direta com a dualidade entre o ícone e a pessoalidade, que fazem do documentário um necessário porta voz.