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“JURASSIC PARK: O PARQUE DOS DINOSSAUROS” (1993) – Um novo paradigma cinematográfico

Em 1962, Thomas Kuhn escreveu “Estrutura das revoluções científicas”, explicando a expressão “mudança de paradigma”, bastante utilizada desde então. Importando esse conceito para a sétima arte, são poucos os filmes que atingem essa proeza – alguns sequer a ambicionam -, sendo JURASSIC PARK: O PARQUE DOS DINOSSAUROS um exemplo notório de novo paradigma cinematográfico. Na história, Alan Grant é um renomado paleontólogo convidado pelo milionário John Hammond para conhecer uma ilha, da qual este é dono, onde seres da Era Mesozoica foram revividos. Em troca, enquanto especialista, Grant daria um parecer favorável à abertura da ilha (o “Parque dos Dinossauros”) ao público. Porém, os dois deixam de prever os riscos da visita.

O enredo pode parecer singelo, todavia essa interpretação do roteiro é precipitada: mesmo não sendo um texto memorável, ele tem seus predicados. Trata-se de uma aventura dividida em três atos, com um incidente incitante bem demarcado (o convite de Hammond) e um protagonista multifacetado. Vivido muito bem por Sam Neill, o herói Alan é bem-sucedido em sua carreira, mas tem dificuldades na vida afetiva: ele interage bem com a também cientista Ellie Sattler (desde aquela época, Laura Dern já interpretava bons papéis), mas o relacionamento entre os dois não é muito romântico e eles estão em um impasse sobre ter filhos, o que apenas ele não quer. Ironicamente, Alan não gosta de computadores, nem de crianças, mas é uma criança usando um computador que o salva em determinado momento da trama. É justamente nessa subtrama da interação do protagonista com duas crianças (netos de Hammond) que reside a revelação de Alan enquanto figura carismática e paternalista (a última cena em que ele aparece escancara o quanto ele se revelou na ilha), isto é, seu arco dramático transmite camadas que merecem menção. Ellie, por outro lado, não é uma personagem multidimensional, mas tem uma personalidade progressista para a época, adotando um discurso feminista afiado em diálogos com Ian e Hammond.

Jeff Goldblum não foi agraciado com o melhor dos papéis, mas é competente ao tornar Ian Malcolm caricato (o que é a proposta). Como ele não tem grande utilidade narrativa, surge para tentar conturbar o relacionamento entre Alan e Ellie e para dar algumas explicações científicas. No primeiro caso, ele é dispensável; no segundo, desenvolve verbalmente um dos eixos temáticos da narrativa, referente à evolução (que gera uma piada envolvendo Alan, relativa à obsolescência da paleontologia face às inovações da ilha). Censurando Hammond, ele ensina que a vida não pode ser contida simplesmente porque sempre encontra um meio, logo, o controle de natalidade que haveria na ilha seria ilusório. Nesse sentido, surge um terceiro eixo temático com Hammond, a personificação da megalomania imprudente, interpretado impecavelmente por Richard Attenborough. Trata-se da dualidade criador e criatura, pois, para o milionário, “a criação é um ato de pura vontade”.

O homem enquanto um ser criador, a evolução enquanto imperativo da natureza e o sentimento paternalista do protagonista: o roteiro não é tão singelo quanto parece, abordando, em síntese, a criação – usando o mais amplo sentido da palavra. O clímax é solucionado com deus ex machina, dentre outros defeitos, mas a inserção do fundamento científico na narrativa ocorre de maneira orgânica é um mérito que merece reconhecimento – por exemplo, ao apontar o parentesco entre dinossauros e aves (a cena em que Alan detalha o ataque de um velociraptor é fascinante) e na explicação da clonagem daqueles animais históricos. Não obstante, “Jurassic Park” sempre será lembrado pela sua direção, que representa um legado inigualável decorrente de esforço coletivo. O diretor Steven Spielberg tem nessa produção – uma das melhores da sua mais que frutífera filmografia – um verdadeiro espetáculo audiovisual.

Em “Tubarão” (1975), Spielberg já tinha adotado uma estratégia de suspense, usando a expectativa como peça-chave. Se o tubarão não aparecia logo no começo, em “Jurassic Park” acontece o mesmo, como no prólogo, em que há um ataque sem revelar o dinossauro. Quando aparece o primeiro, um braquiossauro, igualmente é feito suspense: inicialmente, o diretor mostra a reação de Alan, depois, a reação de Ellie, e aí sim aparecem planos deslumbrantes dos dinossauros. O cineasta gera expectativa de maravilhamento, sem decepcionar. Mesmo através de elementos pequenos, como círculos concêntricos na água, Spielberg manipula a emoção do espectador, causando apreensão. Com esses e outros mecanismos, a produção consegue uma boa imersão (o uso de câmera subjetiva é um exemplo bastante simbólico) e cenas inesquecíveis – como quando encontram uma triceratops doente e a corrida dos galliminus. O filme pode ser considerado assustador para a sua época, mas não aterrorizante. A marcante cena dos velociraptor na cozinha, nesse sentido, é de pura tensão, sendo impossível desviar o olhar. Mesmo quando há um quê de carnificina, não é possível qualificar de gore: muitas vezes, é disfarçado o banho de sangue e vísceras que poderia aparecer. Aumentando eventualmente a sensação de angústia, a montagem paralela é um ágil e pertinente instrumento (como na cena da cerca elétrica).

Do ponto de vista da mudança de paradigma, é na direção de arte que “Jurassic Park” realmente se destaca, especificamente quanto aos efeitos especiais e visuais. Inicialmente planejando usar go motion (uma técnica “parente” da stop motion), que ficou em segundo plano, o longa é dividido entre CGI (efeitos visuais ou VFX) e animatronics (efeitos especiais, SPFX, SFX ou FX). O CGI é útil nos planos mais abertos, pois seria difícil executar efeitos práticos com tamanhos tão grandes ou uma multiplicidade de dinossauros – porém, esse trabalho é executado na pós-produção (o que torna mais difícil o trabalho de montagem). Na computação gráfica, é difícil manter as proporções como deveriam ser, dificuldade não encontrada nesse filme. Na época, “O Exterminador do Futuro 2: o julgamento final” usou um CGI nunca antes visto, isto é, também representou um novo paradigma. No caso de “Jurassic Park”, além dos efeitos visuais, os animatronics (robôs) transmitem maior realismo, utilizados especialmente quando os atores ficam mais próximos dos dinossauros ou em planos mais fechados ou estáticos. É possível perceber a vivacidade nos olhos, a pele áspera, o peso na movimentação, os dentes afiados e a postura imponente, dentre outros aspectos, daqueles animais.

Pode parecer estranho, mas os dinossauros foram encarados como animais (e não monstros), o que foi parâmetro norteador para a arte e também para o som. Nesse sentido, os ruídos emitidos pelos dinossauros (até hoje, por óbvio, desconhecidos) foram feitos a partir da mistura de sons de animais comuns (por exemplo, para os velociraptor, mesclaram a emissão de um golfinho debaixo da água com a de um leão-marinho). O trabalho nos ruídos exigiu criatividade e pesquisa, gerando um resultado fenomenal muito bem manipulado pela mixagem. Ainda quanto ao design de som, a trilha musical elaborada pelo insuperável John Williams é simplesmente incomparável: “Theme from Jurassic Park” irradia encantamento, “Journey to the island” é inesquecível e “Welcome to Jurassic Park” evoca um certo êxtase – isso para citar apenas algumas canções. O tom aventuresco, com momentos que variam entre tranquilidade, inquietação e empolgação, se faz presente de maneira brilhante nas músicas de Williams, praticamente um show à parte, de formidável efeito dramático (e o mesmo pode ser dito da arte) .

Jurassic Park” não é um filme perfeito – é “apenas” um clássico. Existem clichês narrativos (por exemplo, a chuva como prenúncio de algo ruim), dentre outras ressalvas que poderiam ser mencionadas. Ocorre que o longa representou um novo momento na sétima arte: além de uma influência cultural a partir dali, a contribuição da película no cinema é imensurável, acentuando a consagração de Steven Spielberg como um dos maiores cineastas de todos os tempos.