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“LA CASA DE PAPEL” [4ª TEMPORADA] – Estímulos sensoriais

Abraçar um tom fantasioso, contemplar novas situações fora da Casa da Moeda e aprofundar o lado social da disputa entre poderosos e marginalizados foram os elementos capazes de aumentar a qualidade de LA CASA DE PAPEL na terceira parte. Mesmo contendo inconsistências narrativas e redundâncias na linguagem, tais episódios entregavam uma diversão mais consistente do que as primeiras temporadas. Condição semelhante acontece com a quarta parte da série, que evolui no envolvimento emocional, mas peca na condução factual da trama.

(© Netflix / Divulgação)

Os novos capítulos também se passam no banco da Espanha, onde os assaltantes enfrentam dificuldades ainda maiores por conta das ações intempestivas e condenáveis da policial Alicia Sierra. O Professor precisa fugir da polícia enquanto acredita que Lisboa foi executada, sendo que ela se encontra detida para interrogatório; já os outros ladrões tentam salvar Nairóbi, alvejada pelos policiais, ao mesmo tempo que Tóquio e Palermo disputam a liderança do bando. Além dessas adversidades, também precisarão lidar com os reféns cada vez mais desafiadores e perigosos.

Em comparação aos demais anos, a narrativa recente é a que mais cria estímulos sensoriais para o espectador em termos quantitativos e qualitativos. Diferentes reações emocionais são evocadas, passando com fluidez de uma a outra: a tensão psicológica do confronto entre Lisboa e Alicia colocando a dúvida se alguma delação será feita ou se a mulher presa corre grandes riscos; a empatia diante dos traumas sofridos por Rio após as sessões de tortura e durante os desafios no banco; o suspense resultante da montagem paralela durante a operação de Nairóbi enquanto as autoridades bloqueiam a comunicação do local, e na execução das diversas partes do plano no oitavo episódio; e a adrenalina presente nas muitas cenas de ação envolvendo os protagonistas e um novo antagonista surgido entre os reféns com trocas de tiros e perseguições.

Tais sequências sensoriais levam o entretenimento para um rumo diferente daquele que se observava quando os conflitos emocionais ocorriam através da dinâmica de duplas de personagens. Agora a série se torna ainda mais movimentada dentro do gênero de ação, sem minimizar, contudo, os dramas ali existentes porque o arco narrativo passa a ser o grupo enquanto uma família. Nesse sentido, seus laços se estreitam como parentes dividindo infelicidades e prazeres, intensificando o companheirismo e encarando a perda trágica de um deles – uma cena chocante também para o público, que se espanta com o ocorrido e sente seus desdobramentos graças à trilha sonora melancólica, à suspensão dos sons diegéticos enquanto alguns choram e outros gritam e à alternância de planos com frames da vítima e de seus companheiros reagindo àquela morte.

Parte do engajamento sentimental com o drama dessas figuras também vem do uso de alguns flashbacks. O recurso é bem-sucedido para as jornadas de redenção de Palermo, que carrega um ressentimento considerável pela falta de um amor concretizado, e de esperança de Nairóbi, que projeta seu futuro de maneira otimista e integrada aos colegas. Entretanto, outras inserções do passado apresentam poucos impactos sobre a linha cronológica central, como a relação conflituosa entre Denver e Estocolmo, a sofisticação ininterrupta das estratégias do assalto com o Professor imaginando como superar mínimo obstáculo no caminho e a conversa de Denver com uma companheira do crime sobre identidade de gênero.

Se por um lado a dimensão sensorial funciona, por outro os eventos da trama pouco avançam e criam a sensação de uma estagnação narrativa. A expectativa de uma guerra é interrompida por uma nova interação entre policiais e assaltantes, assim como pela simples abordagem das consequências dos capítulos anteriores: o Professor ajuda o grupo a sobreviver dentro do banco e se reorganiza para se proteger do risco de prisão e para libertar Lisboa; conflitos internos se insinuam dentro do bando (o triângulo formado por Denver, Rio e Estocolmo e os embates pela liderança entre Palermo e Tóquio) ou com os reféns (representados pela presença pouco coerente de Arturo nas duas últimas temporadas); e o aparecimento de um novo antagonista, que ameaça os ladrões devido ao seu conhecimento bélico e à sua postura violenta. Cada um desses elementos indica que falta uma progressão maior em relação aos planejamentos de fuga com o ouro e aos enfrentamentos com a polícia.

Do mesmo modo, as questões sociais antes patentes se enfraquecem ou ficam restritas aos episódios finais. A luta contra um sistema financeiro e policial injusto é mencionada esporadicamente quando manifestantes aparecem em frente ao banco ou nos momentos em que a imprensa revela os desmandos das autoridades – inclusive, a sugestão de que os reféns poderiam ser um tipo de resistência na fala de Arturo é esquecida rapidamente. Ademais, o empoderamento feminino surge em raros instantes, por intermédio de Nairóbi e Tóquio, porém não se articula à história como acontecia anteriormente.

O andamento da narrativa é igualmente comprometido pela narração em voice over de Tóquio, que pouco agrega às situações retratadas. Inicialmente, ela levanta temas que perpassam os riscos assumidos pelos personagens (a dualidade entre amor e morte e as transformações que o passado pode ter com o passar do tempo), mas sem uma comunicação orgânica com os conflitos surgidos. Posteriormente, se tornam comentários ilustrativos do que as cenas já mostravam visualmente (as reações à morte ocorrida nessa temporada e as novas etapas do plano).

A quarta parte de “La casa de papel” se assemelha muito à anterior: possui méritos em aspectos numerosos da sua proposta, enquanto vários outros ainda precisam de ajustes. Essa condição dividida quase perfeitamente entre virtudes e fragilidades assinala como a série ainda procura uma articulação entre aprimoramento do roteiro e liberação de estímulos sensoriais e emocionais. Quando um dos lados dessa balança fica mais pesado, o equilíbrio não é obtido e algumas possibilidades artísticas não são alcançadas. A diversão está presente (mais forte do que nunca), porém sem apagar a sensação um pouco frustrante de que o freio de mão foi puxado para explorar o sucesso da produção por mais um ano.