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“LAMENTO” – Do estranhamento à lástima

O significado dado ao significante “estranhamento” pode ser bom ou ruim. A sensação de estranhamento geralmente é incômoda e desconfortável, porém ela pode ser valorada positivamente se associada à curiosidade ou à instigação, por exemplo. LAMENTO sugere a sensação de estranhamento constantemente, porém não na intensidade suficiente para ser marcante, tampouco na medida certa para gerar interesse. Fiel ao nome, o resultado é uma lástima.

A vida de Elder sempre foi luxuosa em razão da boa situação financeira de sua família. O hotel que herdou do pai ficou sob sua responsabilidade, porém seu trabalho de gestão levou o estabelecimento à falência, arriscando até mesmo suas finanças pessoais. Associando-se aos problemas econômicos está o momento ruim no casamento, de modo que Elder se afasta cada vez mais de sua esposa, Rosa. Sem saber como resolver sua difícil situação, ele se afunda cada vez mais em um buraco do qual não consegue sair.

(© Moro Filmes / Divulgação)

A sinopse do longa parece genérica porque de fato o roteiro de Diego Lopes não é muito preocupado em formar uma narrativa convencional. Não que o filme seja ousado ou extraordinário em termos narrativos, mas é mais preocupado com a subjetividade e a desordenação da conduta de Elder do que com dar-lhe um arco estruturalmente sólido. A direção de Lopes e Claudio Bitencourt é coerente com a proposta de um filme lento, sem grandes eventos e focado na espiral negativa vivida por seu protagonista. Na prática, contudo, a lentidão faz com que a obra faça jus ao título, a ausência de surpresas obsta a emoção do espectador e a negatividade da trajetória de Elder, sendo resultante de suas opções, torna-o deveras antipático.

Marco Ricca tem em Elder um papel difícil, considerando que o protagonista não é nada heroico, não se encaixando tampouco no perfil de anti-herói. Não é possível torcer para Elder simplesmente porque suas escolhas são sempre as piores possíveis. Como consequência, a apatia da personagem se reflete no próprio filme, que encontra um fio de interesse, no máximo, em seu desfecho (no sentido de curiosidade sobre como tudo vai acabar). No elenco estão também Veronica Rodrigues, Thaila Ayala, Diego Kozievitch, Ilva Niño e Renet Lyon, como, respectivamente, Rosa, Letícia, Luciano, Otília e Thomas. A primeira é a que interpreta seu papel com menor vigor (sequer um palavrão é desferido com vontade); Ayala assume mera posição de objeto; Kozievitch interpreta Luciano em overacting; Niño é esforçada; e Lyon, que pouco aparece, é o mais convincente. Há um problema de direção de elenco, mas certamente o roteiro não ajuda.

Não são poucas as cenas despropositadas, como a do terraço, e as inverossímeis, como a da chegada da polícia. É evidente que a cena do terraço quer exibir um Elder desesperado e inconsequente, porém a óbvia simbologia é minada pela própria obviedade e pela obviedade de que nada relevante acontecerá ali. A participação da polícia surge no plot como um tour de force para agitar a trama, porém a conduta policial é pouco provável naquele contexto (por que a demora para a interdição? Será mesmo que colocam as placas de numeração em cena de crime como aquela?). A personagem mais inspirada da película, o Osvaldo de Marco Zenni, é extremamente subaproveitada. Com ele, fica mais claro o backstory de Elder e o modo como ele chegou aonde chegou, porém a condição de adjuvante em que Osvaldo é colocado o despe da personalidade desejável à personagem.

O design de produção de “Lamento” é provavelmente sua maior virtude. O hotel de Elder é explicitamente uma espelunca, um local de ornamentos antigos e estética depressiva. A fotografia tem tons acinzentados na sala do protagonista e em ambientes externos, mas amadeirada no rol de entrada e nos corredores. A clara distinção gráfica serve ao propósito de contraposição (a frieza do cinza e o envelhecimento do castanho-avermelhado) e cria, adequadamente, a atmosfera que o filme pretende moldar. O apartamento do protagonista, de recintos amplos e ornamentos elegantes, também aponta o quão ultrapassada é a decoração do hotel, como se ele tivesse parado no tempo.

No som, a mixagem é deplorável: não são poucos os diálogos parcialmente inaudíveis pelo excesso de volume da trilha. As músicas, por sinal, ainda que coerentes com a intenção de transmitir a mencionada sensação de incômodo ou estranhamento, são consideravelmente genéricas e facilmente esquecíveis. A trilha é própria de terror (ou suspense), mas o filme em nada assusta (ainda que o visual fantasmagórico do hotel, vazio e com pouca iluminação, não seja descabida) e o som causa o estranhamento negativo.

O que parece é que Bitencourt e Lopes se perdem em suas boas intenções relativas à história que querem contar, ora sobre a ferocidade do sistema capitalista, ora sobre drogadição; ora sobre desejos reprimidos (inclusive de índole voyeurista), ora sobre autodegradação. Por exemplo, o uso de plano holandês quando Elder está psicologicamente afetado é um recurso absolutamente válido, todavia seu emprego ocorre em momentos quaisquer, banalizando uma boa ferramenta estilística. Dado tal contexto, é difícil não lastimar um resultado que poderia ter sido menos ruim.