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“LEGADO EXPLOSIVO” – Liamneesonverso

De formação teatral shakespeariana, Liam Neeson ganhou reconhecimento na seara cinematográfica em 1993, ao trabalhar com Steven Spielberg como o protagonista de “A lista de Schindler” (clique aqui para ler a nossa crítica). Com experiência em fantasia (“Star Wars, Episódio I: A Ameaça Fantasma”, em 1999) e em em trabalhos de dublagem (o Aslam de “As crônicas de Nárnia”), dentre outras áreas, foi nos filmes de ação que ele ganhou notoriedade perante o público, o que foi alavancado em 2008, com o papel de Bryan em “Busca implacável”. LEGADO EXPLOSIVO se filia mais aos trabalhos recentes do ator.

Tom é um lendário ladrão de bancos que acumulou uma fortuna e nunca foi pego pela polícia. Sua vida muda completamente quando ele conhece Annie, por quem se apaixona. Querendo viver com ela dentro da lei, Tom decide se entregar para a polícia, cumprindo uma pena menor por devolver o dinheiro acumulado. Seu plano, contudo, se torna mais difícil do que parecia quando policiais corruptos se interessam em ficar com seus ganhos sem que ninguém saiba.

(© IMAGEM FILMES / Divulgação)

Mark Williams assumiu a direção do longa, tendo escrito o roteiro juntamente com Steve Allrich. O currículo de ambos é modesto, porém a inversão de valores que propõem é um ponto de partida atraente. O título original da película é “Honest thief” (em tradução livre, “ladrão honesto”), o que é uma provocativa contradição – afinal, se o protagonista é um ladrão (assumido, inclusive), não pode ser honesto. Ocorre que os responsáveis por investigá-lo pretendem se locupletar dos crimes praticados por Tom, não na lógica do “ladrão que rouba ladrão”, mas da esperteza no sentido negativo do termo.

A motivação de Tom pode não ser a mais convincente, mas é suficiente para que o público compre a ideia. Tudo é pretexto para a ação, que, todavia, não é tão intensa quanto se podia esperar. A trama é deveras simplória na parte investigativa e as cenas de ação deixam a desejar. A título exemplificativo, apenas depois de meia hora é que a produção apresenta a primeira disputa corporal. Entre projéteis desperdiçados e perseguições medíocres, a adrenalina é menor qualitativa e quantitativamente.

O protagonista é muito bom na sua especialidade, não tendo de enfrentar profissionais de segurança em seus exitosos e não rastreáveis furtos. A ideia é fazer dele um ladrão cirúrgico, mas humano, papel a que Liam Neeson não destina seu talento (já que isso não é necessário), mas seu carisma. A despeito dos poucos minutos dedicados ao relacionamento de Tom com Annie (Kate Walsh, discreta), seu discurso é tão ingênuo que é quase plausível. O mesmo ocorre com seu plano, que não fica completamente frustrado ora por engenhosidade própria (os três milhões), ora pelo acaso que o roteiro admite impor na narrativa (o aparecimento do policial Baker precisamente quando Tom precisava).

Não é difícil perceber que “Legado explosivo” é despudoradamente brega. Existe desde o policial multitarefa – papel de Jeffrey Donovan, que funciona tanto como alívio cômico (com a cachorra) quanto como antagonista (ao perseguir Tom) – à encarnação do mal – Jai Courtney, em trabalho comparável ao apresentado em “Esquadrão Suicida”. Anthony Ramos tem no policial Hall uma dubiedade que foge do simplismo da narrativa, constituindo, talvez, o único atributo efetivamente elogiável da película (ainda que mal utilizado). As inverossimilhanças do roteiro (como poderia uma formanda em psicologia ter tamanho desconhecimento da vida de seu parceiro?) apenas reforçam a breguice da produção, o que é assumido nos detalhes (o apelido de Tom, diálogos risíveis etc.).

Talvez seja possível pescar qualidades periféricas, como o figurino de Annie (uma jovialidade discreta presente em suas saias jeans), a combinação do vestuário do casal na cena da casa (ambos de gola alta, demonstrando compatibilidade) e a presença constante da cor azul na fotografia (transmitindo frieza e precisão, marcas do trabalho de Tom nos assaltos). São aspectos visuais razoáveis, que, contudo, são eliminados por deslizes como um moletom amarelo ovo usado em uma empreitada que exigiria discrição.

Mas a questão é que “Legado explosivo” não se importa com erros técnicos ou ilogicidades. Pelo contrário, está dentro de um “liamneesonverso”, universo no qual as leis da física não se aplicam, a idade não é obstáculo e frases de efeito (“estou indo atrás de você”) são usadas para empolgar a plateia. Neeson pode não mais estar no teatro e pode estar distante da densidade das peças de Shakespeare, mas sua habilidade em domar o espectador – com seu carisma, que se sobressai em uma obra fraca – continua intacta.