“LICORICE PIZZA” – Colchão d’água
O poder de LICORICE PIZZA está, como no último filme de seu realizador, em seu minimalismo. Assim como em “Trama fantasma”, o novo filme de PTA distancia-se da extravagância dos blockbusters e faz uma obra fechada em si mesma e sem grandes pretensões. Seu elemento mais importante é o colchão d’água, algo que não poderia ser mais singelo.
Gary tem quinze anos; Alana, vinte e cinco. Isso não o impede, todavia, de tentar a sorte, visto que se apaixonou por ela desde a primeira vez que a viu. O ator iniciante não se importa com a diferença de idade e insiste em tentar conquistá-la mesmo que ela não queira. A questão é que talvez ela queira.
O novo filme de Paul Thomas Anderson é um coming of age romântico de uma narrativa sem grandes sobressaltos. No figurino, Gary e Alana repetem o mesmo estilo quase sempre: ele com camisas listradas, ela com vestidos curtos estampados. O design de produção abraça o azul céu para simbolizar o casal: na camisa dele, no telefone dela, nos carros etc. A trilha musical é um show à parte: com “July tree”, a voz marcante de Nina Simone entrega a potência necessária aos minutos iniciais; com “Slip away”, Clarence Carter leva Alana a reencontrar alguém do seu passado. O filme é como um túnel do tempo para os anos 1970, seja pelas músicas, seja pelo seu visual.
Com uma caracterização típica dos anos 1970, o elenco de apoio dá o suporte humorístico que dá uma maior descontração à trama. Destaca-se, nesse quesito, Bradley Cooper, com cabelo comprido, barba e uma roupa inteira branca (melhor caracterizado, impossível!). Seu Jon Peters é interessante porque, quando aparece, é marcado pela ambiguidade (ele está falando sério ou quer apenas assustar?), e porque, quando reaparece, divide com a dupla principal a melhor sequência do filme (o combustível nunca foi tão valioso). Outro que está muito bem é John Michael Higgins no papel de Jerry, simplesmente hilário na companhia de asiáticas (dizer mais do que isso estragaria as piadas). Sean Penn, por outro lado, não chama a atenção enquanto Jack Holden (sequer na promissora interação com Tom Waits, cujo papel é minúsculo, mas tinha tudo para fazer Penn ser engraçado como Cooper e Higgins).
Um problema grave no roteiro está na falta de aprofundamento em relação aos coadjuvantes: eles servem como pretexto para injeções de comédia, mas não são verdadeiramente personagens, pois quase nada se sabe sobre eles. Por outro lado, Alana (Alana Haim) e Gary (Cooper Hoffman) são personagens completas o suficiente para carregar a narrativa de vaivéns do casal. Ela claramente não o leva a sério no começo, a despeito de sua insistência, porém não demora para se sentir confortável ao lado de um ator – o que talvez justifique sua interação com Lance (Skyler Gisondo), algo que o roteiro não explica. Aos poucos, previsivelmente, o afeto toma conta de sua relação com Gary, primeiro como proteção (quando ele é levado), depois como admiração (quando ele abre a Bernie Gordo), o que não significa que o caminho para a união do casal é fácil. Alana é briguenta e mesmo um adolescente persistente como ele tem seus limites.
Diferente de Alana, Gary tem um jeito falastrão que pode não agradar a todos (no “The Jerry Best Show”, por exemplo), mas que com certeza constitui parte inexorável da sua personalidade. Na comédia, a dupla é ocasionalmente engraçada, mas não tanto quanto os coadjuvantes. No romance, a maneira como uma investida inesperada se torna afeto verdadeiro é apresentada com naturalidade e tem inegável carisma. É interessante perceber, ainda, que o elenco como um todo é bastante comum, isto é, não há ninguém que se encaixe perfeitamente nos padrões de beleza hodiernos, o que dá maior verossimilhança à obra. Gary é um garoto comum, vaidoso (arrumando a franja no banheiro) e bobo (fica alegre ao ser chamado de “cara” por Alana) cujas espinhas no rosto apenas reforçam sua ordinariedade.
O colchão d’água exerce uma função inesperadamente importante no filme. A água, com sua fluidez, é a representação simbólica da passagem do tempo e das transformações constantes, típicas da juventude. Por sua vez, o colchão representa um objeto onde são praticadas atividades prazerosas (sono e sexo), sendo o prazer (em sentido amplo) o que a dupla principal mais busca. No filme, colchões d’água são uma novidade, o que faz com que o espectador se lembre de que tudo se passa em tempos pretéritos – e, ainda assim, bastante atual.
Em tempo: a tradução literal do título é “pizza de alcaçuz”. A referência, contudo, é a uma rede de lojas de discos de vinil (cuja forma se assemelha à desse tipo de pizza) que existia na Califórnia na época em que o filme se passa. É uma referência nostálgica do minimalismo de PTA.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.