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“LIDANDO COM A MORTE” – Pluralidade cultural [45 MICSP]

Pode-se dizer que a morte é o grande denominador comum da humanidade. Pouco importa o período histórico, as condições sociopolíticas ou os costumes comunitários, o falecimento é uma certeza que gera reações variadas perante as sociedades, mas nunca uma reação de indiferença. LIDANDO COM A MORTE explora um pouco da pluralidade cultural relativa ao tema.

Em Bijlmer, um subúrbio de Amsterdã, diferentes comunidades têm variados rituais relativos às mortes de seus integrantes. Anita trabalha na Yarden, uma funerária que pretende ser uma casa funerária multicultural. Para isso, ela visita as comunidades da região, aprendendo o que é necessário fazer de acordo com cada cultura e repassando aos seus superiores as exigências específicas dos grupos.

Propondo-se como observativo, o documentário de Paul Sin Nam Rigter é bastante centrado em dois aspectos do cotidiano de Anita. O primeiro deles, diminuto, concerne à sua vida pessoal, principalmente a relação com seu pai, já idoso e doente. A cena em que ela o visita é de uma ternura transparente, de modo que, naquele momento, ainda que ele não seja apresentado formalmente como seu pai, fica claro o forte vínculo de afeto entre eles. Habituada a planejar funerais, não surpreende quando ela propõe uma música para o funeral dele, o que ele também recebe com tranquilidade. Parte dessa naturalidade também pode ser atribuída à maturidade com que a sociedade holandesa encara a morte, que lá não é tabu (não por outra razão, a eutanásia é admitida).

O que prevalece na rotina de Anita, contudo, é o seu trabalho. É pela Yarden que ela conhece os rituais ganeses, dispondo-se a ouvir todas as demandas (inclusive a dos banheiros) e responder todas as dúvidas. Também é a trabalho que ela visita uma mesquita, onde cobre seu cabelo em respeito às normas do local (muito embora ela não ajeite o véu que lhe é dado, em um momento de comédia acidental). São várias as culturas que ela conhece, em igualmente variados locais, com bastante respeito às tradições que lhe são apresentadas.

Chama a atenção a montagem paralela elaborada por Noud Holtman para contrapor os rituais ganeses aos holandeses (leia-se, dos holandeses brancos não-imigrantes). Enquanto estes ouvem músicas tranquilas e com alguma introspecção, aqueles esbanjam canções expansivas e de forte percussão; enquanto os primeiros não contêm reações de tristeza e indignação, os segundos limitam as emoções a, no máximo, movimentar os lábios para cantarolar a música tocada; enquanto os holandeses usam o preto uniformemente, os (imigrantes) ganeses usam também vermelho.

A contraposição mencionada é um dos bons momentos da película, que atinge seu clímax quando Anita chega a conclusões inesperadas sobre a empresa na qual trabalha. Entretanto, “Lidando com a morte” se torna um pouco raso por se limitar a mostrar os rituais, sem maiores explicações ao público leigo. Quando, por exemplo, algo é colocado nos olhos dos participantes (o que obriga Anita a tirar os óculos), se houvesse uma justificativa mínima daquilo, a compreensão seria mais ampla. Igualmente, quando dizem para Anita que os pés devem ficar direcionados ao sul, existe alguma fonte para essa crença, o que, contudo, não aparece em momento algum. O documentário consegue expor o quão diferente as culturas “lidam” (usando o termo do título) com a morte, ensinando que há uma gama muito ampla de rituais e reações a um falecimento. Porém, ele perde a oportunidade de se aprofundar na relação entre a sua ocorrência e os rituais funerários em si mesmos – o que, em última análise, também significa lidar com a morte.

Em tempo: ironicamente, assim como a morte, o desfecho do filme é bastante abrupto.

* Filme assistido durante a cobertura da 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.