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“LIGA DA JUSTIÇA DE ZACK SNYDER” – O autor e os deuses

* O filme foi lançado no Brasil em 17/03/2021. Por enquanto, está disponível nas seguintes plataformas digitais: AppleTV+, Claro, Google Play, Looke, Playstation, Sky, Uol Play, Vivo, YouTube e WatchBr. A locação ficará disponível até 07/04/2021. Após a data, será exclusivo do catálogo da HBO Max, streaming previsto para chegar ao Brasil em junho de 2021.

Existem muitos fatores externos à produção que maculam o lançamento de LIGA DA JUSTIÇA DE ZACK SNYDER. O filme oficial, canônico segundo a Warner, é “Liga da Justiça”, lançado em 2017, um dos piores filmes de super-heróis de todos os tempos – provavelmente o pior da década. Perdido, entediante, mal feito, grosseiro, o longa foi para as salas de cinema fadado ao fracasso, a despeito da empolgação inata por envolver os deuses da DC Comics. Quatro anos depois, aquele que ficou conhecido como “Snydercut” e que foi muito pedido pelos fãs enfim ganha publicidade. Há uma lição nessa história, uma lição maior que o filme em si.

Depois dos eventos de “Batman vs. Superman: a origem da justiça” (2016), Bruce Wayne está decidido a fazer valer o sacrifício de Kal-El, principalmente com receio de Lex Luthor estar certo em sua previsão de invasão à Terra. Com isso em mente, ele e Diana Prince tentam recrutar seres poderosos que possam ajudá-los a proteger o mundo da ameaça iminente.

(© HBO / Divulgação)

Como está no título da obra, Zack Snyder é seu grande nome. Maior que Superman, Batman e a Mulher-Maravilha juntos, Snyder foi o responsável por criar o universo que a “Trindade” compartilha desde 2013, quando do lançamento de “O homem de aço”. Na época, David S. Goyer e Christopher Nolan eram os responsáveis pelo roteiro (no caso do primeiro) e pela estória (ambos). Em 2016, Snyder foi muito além com “Batman vs. Superman”, cujo roteiro foi coescrito por Goyer e Chris Terrio (que é quem assina o script do filme de 2021, cuja história foi desenvolvida por ele junto a Snyder e Will Beall). É verdade que o confronto entre o morcego de Gotham e o filho de Krypton dividiu opiniões, mas manteve coerência com o projeto inicial. E é justamente isso que a produção de 2017 não possui (ao contrário da de 2021).

O que Snyder fez em 2013 foi mais que dirigir um filme, foi criar um universo. Sua ideia do Superman era muito diferente do vivido por Christopher Reeve entre as décadas 1970 e 1980, o herói de Metrópolis, para o cineasta, era alguém melancólico, introspectivo, traumatizado e inseguro. De maneira coerente, “Liga da Justiça” (a de 2021) mantém a atmosfera sombria e deprimida, algo perceptível visualmente pela fotografia dessaturada (o que é aumentado na cena com a Lois Lane de Amy Adams que ocorre na primeira parte) e na razão de aspecto reduzida (transmitindo uma sensação de opressão). Snyder não tem pressa para desenvolver a narrativa, então as sequências são longas – algumas delas, brilhantes, como a que envolve as amazonas (também na primeira parte) e a que o Flash (Ezra Miller em uma estranha versão de Barry Allen) ganha protagonismo, no fim da sexta parte. São seis partes mais um prólogo (não nomeado) e um epílogo. Quatro horas de duração que valem a pena porque tudo ali está no seu lugar.

Evidentemente, o longa não é perfeito. A duração é exagerada e existem cenas dispensáveis – por exemplo, a que envolve salsichas (o que é um pouco estranho per se), que pode ser uma mensagem subliminar de péssimo gosto, mas é também, certamente, um desnecessário fan service. O que Snyder almejava, porém, não era a perfeição. O que o cineasta queria e efetivamente atinge é dar concretude à visão que ele criou. O Batman (Ben Affleck) deixa de ser agressivo e radical como outrora e compreende que é preciso formar uma aliança para proteger a Terra. A Mulher-Maravilha (Gal Gadot) abandona a solidão também para honrar o sacrifício do Superman (Henry Cavill). Surgem novos super-heróis, como o Flash, o Aquaman (Jason Momoa) e o Ciborgue (Ray Fisher). O último tem um arco dramático bem delineado e que é fundamental para o desenvolvimento da trama, ele é o coração dos eventos do longa. Todos eles têm seus momentos para brilhar, não estão lá para fazer número. Eles interagem entre si, mostram um pouco de suas falhas e suas habilidades. Não é uma apresentação como pretexto para filmes-solo, é uma união para um grupo de defensores do planeta.

A assinatura de Snyder é pesada, sua mão é forte. Além do que já foi mencionado, há muitas cenas em slow motion (não raras vezes embaladas por rock e nem sempre com função narrativa, mas ao menos contextual), o que faz sentido porque o filme é intencionalmente grandiloquente. Não há espaço para o singelo, não são heróis, são super-heróis. Os efeitos visuais, que em 2017 eram ofensivos (tamanha sua má-qualidade), se revelam bem trabalhados, em especial no visual do Lobo da Estepe, que usa uma armadura cujo movimento é dinâmico e sonoro. É esse esmero que torna o (super-)vilão ameaçador, ele precisa estar à altura da Liga. Entretanto, todos estão inseridos em um contexto muito maior, que é aquele moldado pelo seu diretor.

Com tempo e profissionais competentes, “Liga da Justiça de Zack Snyder” prova que a pós-produção pode fazer – ou destruir – um filme. A trilha musical tem personalidade, os efeitos visuais são bons, o ritmo não é açodado, a montagem é orgânica. Todos os elementos convergem para a mensagem dramática de um diretor cujo viés, enquanto cineasta, é sombrio, mas sempre coeso. É possível questionar esse modo de enxergar as personagens, ou seja, o projeto, mas não sua forma de execução. Inexistem pontas soltas (ou melhor, elas existem, mas se justificam pela intenção de continuar o projeto) ou falhas gritantes, pelo contrário, o longa tem sequências memoráveis. Snyder pode ter tido dificuldade de encaixar sua autoralidade na Hollywood dos super-heróis, mas fato é que ele é o autor de filmes conscientes do quão grandes são os deuses da DC.