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“LOS LOBOS” – Um ciclo lúdico [9º ODC]

Ciclos não precisam ser, necessariamente, compostos somente por repetições de ideias. É possível discernir mudanças entre as permanências na narrativa cíclica que recobre as trajetórias de uma mãe e seus dois filhos em uma terra desconhecida. Por investir nessa estrutura, LOS LOBOS se constitui como um singelo e comovente drama que articula inícios e desfechos com diferentes apropriações do lúdico.

(©Animal de Luz Films / Divulgação)

Preenchendo os dois polos, está a história de Lucia, Max e Leo. Ela leva as crianças, respectivamente de oito e cinco anos de idade, para os EUA em busca de uma vida melhor. Como são imigrantes mexicanos recém-chegados, passam dificuldades tão grandes que a mulher precisa deixar os meninos sozinhos enquanto trabalha. Os dois encaram o isolamento criando um universo imaginário até o dia que visitarão à Disney.

A primeira sequência indica como a imaginação é a arma de Leo para lidar com o desconhecido ao mudar de casa: observa o cenário fora de um ônibus e imagina chegar ao sonhado parque de diversões (enquanto isso, Max se recusa a entrar na brincadeira). Trata-se, inicialmente, do escapismo natural de uma criança que não compreende as transformações vivida por sua família e busca refúgio de uma realidade adversa. Afinal, é extremamente desafiador para os irmãos baterem de porta em porta à procura de um apartamento; aceitarem não ter a mãe por perto na maior parte do dia; obedecerem tantas regras passadas por Lucia; e ficarem confinados dentro do apartamento.

Os obstáculos impostos aos protagonistas são muitos e retratados diversamente. O roteiro é apenas uma forma de apresentar os desafios desse trio, que se soma ao estilo de direção de Samuel Kishi Leopo e à atuação de Martha Reyes Arias. O diretor faz planos gerais de vários conjuntos habitacionais precarizados e planos conjuntos de integração de humildes moradores aos cenários – ambos demonstrativos das adversidades econômicas. Já a atriz revela no trabalho corporal a exaustão de alguém que se desdobra entre trabalhar, cuidar dos filhos e do apartamento e preservar sua individualidade (nada como a brilhante cena em que treina um sorriso na frente do espelho para simbolizar isso); tudo isso captado por planos fechados na mulher realizando tarefas domésticas ou simplesmente tentando descansar.

Em virtude das saídas da mãe para o trabalho, Max e Leo têm apenas um ao outro como companhia. Como uma das regras estipuladas era não sair do apartamento, conhecemos um pouco mais dos meninos a partir das interações entre eles em um único cenário: Max é o mais velho e responsável pelos cuidados do irmão (ensinar a amarrar o tênis, providenciar lanches…), assim como é aquele que possui uma compreensão maior da realidade (pergunta à Lucia sobre o pai que saiu de casa, o momento em que irão para a escola…); já Leo demonstra ser o mais imaginativo e o menos apegado ao mundo real por ainda conservar uma inocência maior que o irmão, já que este é forçado a ter alguns comportamentos mais maduros que sua idade. Acompanhamos as duas crianças através de uma montagem que reforça sua rotina com muitos planos semelhantes das brincadeiras e dos olhares para a vizinhança pela janela.

Durante o período que passam sozinhos, Max e Leo usam as brincadeiras não somente como válvula de escape, mas como ferramenta para dar sentido às suas vidas. Eles criam passatempos variados com o pouco que tem, como jogar futebol com uma bola de papel, medir as batidas do coração após uma corrida, treinar o inglês e desenhar na parede. Porém, acima de tudo, o aspecto recreativo é incorporado aos pensamentos dos irmãos, que usam a criatividade para tentar compreender o que significaria o pai ter fugido pela lâmpada; e também ao estilo de algumas sequências, que aproveita os desenhos dos meninos para criar animações graficamente simples e ingênuas. Utilizando essas opções, o cineasta define o apartamento como um universo em si mesmo, dotado de uma perspectiva infantil.

Ao longo do desenvolvimento da narrativa, o lúdico e as dificuldades sociais parecem dimensões independentes que não poderiam se encontrar. Contudo, o avanço dos conflitos dramáticos – intensificados pelos desentendimentos de mãe e filhos e pelo crescimento das adversidades econômicas – começam a mostrar aos personagens que é possível preservar sua imaginação divertida apesar dos pesares. Ao ganharem o mundo exterior, Lucia, Max e Leo enxergam novas possibilidades para suas vidas tomando contato com outros espaços e com o casal chinês dono dos apartamentos. É especialmente em uma festa de Halloween com fantasias improvisadas que a família se une novamente, ao atravessar momentos de afeto (principalmente entre Max e Lucia) e de entendimento dos motivos para a partida do pai.

Samuel Kishi Leopo nos convida a seguir por uma narrativa cíclica de apreciação do lúdico em ambientes adversos tomando uma série de cuidados. “Los lobos” dialoga com precisão com filmes como “Projeto Flórida” e “Honey boy“, justifica seu título a partir da união poderosa entre aqueles familiares, aproveita a química entre os irmãos na vida real Maximiliano e Leonardo Nájar Márquez e dispensa um uso excessivamente ingênuo das brincadeiras dos meninos. Como fica visível no desfecho, o lúdico não resolve todos os problemas, mas pode oferecer suspiros de alívio frente aos obstáculos que continuarão aparecendo. Desse modo, as sequências iniciais e conclusivas se articulam semelhantes na forma, porém diferentes nos efeitos proporcionados pelo sonho de ir a um parque de diversões e pelas reações de Max, Leo e Lucia diante da vida nos EUA.  

* Filme assistido durante a cobertura da 9ª edição do Olhar de Cinema de Curitiba (9th Curitiba Int’l Film Festival).