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“LUNA” – Múltiplas expressões

Se, por um lado, o ser humano é um ser social que precisa de relações para sobreviver, por outro, sua trajetória encontra desafios de autodescoberta e indivíduos nada dispostos a socializar aceitando as diferenças. Em LUNA, uma jovem de dezoito anos está se conhecendo e descobrindo quem é, enquanto enfrenta as dificuldades e obstáculos das interações sociais contemporâneas. Uma perspectiva dupla que se abre a partir da questão das múltiplas possibilidades da expressão humana.

Cartaz de “Luna”

A jornada pessoal é vivenciada por Luana, uma jovem pobre que vive com a mãe solteira e ajuda nas despesas da casa vendendo brigadeiros na escola. No primeiro dia de aula do último ano de estudos, ela conhece Emília e uma amizade floresce entre as duas. A relação intensa, divertida e íntima entre elas é interrompida quando uma foto de Luana é vazada nas redes sociais. Esse fato obriga a encontrar um modo de enfrentar a sociedade ao seu redor.

A primeira forma de expressão mencionada pelo filme é a diversidade de posicionamentos políticos e sociais. A cena inicial traz um movimento circular da câmera para enquadrar os estudantes chegando e se acomodando em uma sala de aula, enquanto acontece um debate sobre ter havido golpe ou impeachment no Brasil em 2016; posteriormente, um grupo de jovens conversa sobre feminismo e a importância de se mobilizarem em torno do tema. Além de enfocar a heterogeneidade evidente de uma ambiente escolar, a primeira cena também ajuda a criar o conflito central sem revelá-lo totalmente ao jogar o espectador dentro dele sem maiores explicações – Luana recebe uma mensagem no celular, vai ao banheiro para vê-la, se desespera diante da publicação nas redes sociais e reage de modo extremo.  

O desespero passa a ser outra modalidade de expressão trabalhada pela narrativa quando a imagem privada é compartilhada indiscriminadamente na rede. Ele vem da intolerância dos comentários ofensivos, agressivos, desagradáveis e preconceituosos de muitas pessoas que viram a foto (tanto manifestos em pichações nas paredes quanto na Internet) – as próprias ofensas são um tipo de expressão violenta presente no percurso da protagonista. Em seguida, o pessimismo, a descrença e o sentimento de não pertencimento tomam conta de Luana: a cena em que tenta falar com a mãe no canteiro de obras onde trabalha e é impedida pelo alto barulho dos equipamentos simboliza a solidão e a dificuldade de escuta (associadas aos dilemas da idade e não à mãe, tão amorosa e companheira da filha), além do próprio vídeo angustiado que grava não vendo esperanças para si.

É nesse instante que a linearidade tradicional retorna e a produção acompanha os eventos e sentimentos que desencadearam a crise emocional. Aqui a expressão é outra: a autodescoberta criada pelo vínculo emocional formado com Emília, uma jovem à sua maneira também solitária devido à pouca convivência com os pais ricos sempre viajando. A dinâmica entre elas foge dos clichês e dos diálogos expositivos, preferindo momentos silenciosos ou curtas conversas coloquiais e proporcionando a poesia e o lirismo de encontros baseados em olhares, toques, danças e novas experiências – característica potencializada pela expressividade corporal das atrizes Eduarda Fernandes e Ana Clara Ligeiro, que valorizam os sentimentos não pelas falas, mas pelos corpos e pelos semblantes.

A dimensão física verificada nas performances do elenco permite outra forma de expressão: novas percepções do corpo e da sexualidade. As experiências que perpassam as trajetórias de Luana e Emília são capazes de levá-las para novas relações sociais e entendimentos pessoais completamente avessos a padrões fixos e a estereótipos. Vivenciar tantas novidades contribui para o desenvolvimento de posturas progressistas e libertárias nas vidas das duas jovens que culminam na construção de novas identidades. Em contrapartida, os alunos da escola não respeitam diferentes orientações sexuais ou visões de mundo e demonstram essa repulsa através de comentários odiosos nas redes sociais – desse modo, conseguir se expressar e mostrar quem é significa também enfrentar hostilidades de indivíduos intolerantes.

Além dos personagens, o próprio filme constrói sua expressão visual recorrendo a diferentes usos e sentidos das tecnologias. Os suportes técnicos modernos estão muito naturalizados no cotidiano dos jovens, sob o viés negativo dos ataques nas redes sociais que são filmados a partir do enquadramento da câmera nas telas dos computadores, e positivo das interações entre os estudantes através de filmagens de celulares (por vezes, até assumindo o ponto de vista da gravação). Em outras passagens, o posicionamento da câmera cria seu próprio estilo de expressão como um personagem observador daqueles jovens através de planos sequência os seguindo ou planos fechados bem próximos dos personagens.      

Ter sua intimidade exposta na Internet é um elemento fundante para o arco dramático de Luana, porém não o único. A jovem já se encontrava em sua própria jornada de autoconhecimento, partindo da origem social pobre e da busca por identidade para alcançar novas situações de vida e lidar com as ameaças, humilhações e práticas de violência possíveis na sociedade. Contudo, o coming of age trazido por “Luna” vai além da tradição do subgênero e apresenta, na conclusão, uma jovem simbólica dos novos tempos: alguém que encontra a força interior para confrontar a brutalidade cada vez mais presente no mundo. Nada mais representativo, então, que a última cena trazer o corpo como representação da resistência, a união como contraponto às agressividades contemporâneas e o autoconhecimento orgulhoso de si como outra expressão humana construída pelo filme.