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“MAMA” – Motivações maternas no terror sobrenatural

A criação de vilões com profundas motivações é uma das premissas para o sucesso de um roteiro. Quando os filmes do gênero terror atingem este objetivo, é como se fôssemos convidados a desenvolver certa empatia por aquele personagem que provoca o sofrimento dos demais. Este conflito pessoal frente ao que é ou não aceitável pode levar à suspensão do julgamento e à apreciação mais detalhista da obra. Em MAMA, dificilmente alguém torceria pelo sucesso da criatura monstruosa. No entanto, quando ela salva duas crianças inocentes, é provável que receberá maior atenção do público. 

Universal Pictures / Divulgação)

Lilly e Victoria desaparecem na floresta após a morte de seus pais. Lucas, tio das meninas, e sua namorada Annabel começam a procurá-las. Após cinco anos, elas são encontradas em uma cabana, de onde são levadas para morar com o casal. Enquanto eles se esforçam para trazer conforto e reintroduzir as crianças à vida normal, descobrem que alguém parece ter vindo junto com elas para a casa. 

O filme possui uma estrutura bastante precisa para a criação de seu contexto. As primeiras cenas são objetivas e contam como as meninas foram deixadas na floresta. Em poucos minutos, entendemos o alto nível de sofrimento sofrido por elas, após serem levadas para uma cabana em meio a uma nevasca, assistirem à morte do pai e ficarem acompanhadas por uma criatura assustadora. 

O impacto destas primeiras cenas é significativo para a continuidade da estória. Afinal, há uma forte sugestão do potencial traumático destes acontecimentos na composição das características psicológicas das crianças. Além disso, as primeiras ações de Mama sugerem uma figura, ao mesmo tempo, assustadora e protetora. A estranheza diante dessas camadas traz o diferencial necessário para que o longa supere muitos de seus antecessores congêneres. 

O recurso utilizado para mostrar a relação entre a criatura e as crianças também é interessante. O diretor Andrés Muschietti mostra a passagem do tempo a partir dos desenhos feitos pelas crianças nas paredes, enquanto apresenta os créditos iniciais do longa. Essa escolha enriquece o filme, uma vez que evita diálogos expositivos e  mantém o foco do roteiro nas vivências após as crianças serem resgatadas da cabana. 

A cinematografia tem diferenciais marcantes na primeira parte do longa. Com várias cenas em plano geral, Muschietti utiliza a movimentação das atrizes dentro dos cenários para criar a expectativa do susto. Quando movimenta a câmera, varia entre planos fechados e médios. Já na segunda parte do longa, as cenas de maior tensão são executadas com planos fechados, movimentos laterais e muitos cortes, que inserem celeridade à cena. Esses recursos visuais são importantes para a construção da narrativa. No entanto, a versatilidade estética se reduz aos usos mais simples da cinematografia conforme a estória avança. 

A trilha sonora é incômoda; não porque provoca intensifica o medo, narrativa, mas porque atrapalha a experiência. Há pouco além da obviedade das cordas graves que precedem o som estridente (e ensurdecedor) de um jump scare. Duas composições sonoras propõem alguma novidade: a música cantada por Mama e pelas crianças e o som que anuncia a aproximação da criatura. A canção é bem utilizada, como uma marca da interação entre as personagens. Já os timbres agudos do som de aproximação podem ser mais engraçados do que amedrontadores.

“Mama” tem algumas características do trabalho de  Guillermo del Toro, que produz o longa. Assim como a criatura de “O Labirinto do Fauno” (2006), Mama possui uma relação próxima com as crianças para além do caráter assustador. Nas duas obras, a proximidade das crianças com os seres sobrenaturais exerce uma função salvadora, afastando-as do sofrimento que vivenciam. Ao mesmo tempo, essa relação leva as personagens de ambos os filmes a ações perigosas. 

Em “Mama”, mesmo que as motivações da personagem que dá nome à obra sejam conhecidas, suas ações são facilmente percebidas como manipuladoras e descontroladas. A falta de racionalidade de Mama é o que mantém o longa como um terror sobrenatural, sem que sejam explorados os aspectos dramáticos em si. 

O filme perde intensidade à medida que se aproxima do desfecho. As facilitações narrativas e os caminhos óbvios enfraquecem o que foi construído na primeira parte do roteiro. Os principais problemas são textuais, já que as decisões dos personagens não são amparadas por fatos anteriores. Eles apenas decidem seguir certas pistas porque é oportuno à conclusão do longa. Além disso, a montagem é imprecisa quanto ao controle da passagem do tempo, o que parece ser apenas porque cenas noturnas são mais convenientes ao terror. 

“Mama” se encaminha para uma conclusão parcialmente previsível, mas, sem dúvidas, baseada nas conveniências do roteiro. Inicia com força e com diferenciais importantes ao trazer para tela a estranheza das motivações da criatura sobrenatural. Porém, ao assumir caminhos óbvios, enfraquece de forma gradual as motivações de seus personagens, o medo provocado no público e o interesse aos detalhes.