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“MAMMA MIA! LÁ VAMOS NÓS DE NOVO” – Fiapos narrativos

Não apenas é possível fazer um filme com um fiapo de narrativa como MAMMA MIA! LÁ VAMOS NÓS DE NOVO é a continuação de um filme com as mesmas características, ampliando o enredo para dois fiapos de narrativa. O primeiro deles é protagonizado por Donna Sheridan, uma jovem recém-graduada em Oxford, no final da década de 1980, prestes a dar um novo rumo à sua vida e a conhecer três rapazes por quem se apaixona. O segundo é protagonizado Sophie, filha de Donna, que se dedica a estruturar o hotel nos moldes planejados pela mãe.

Dos novos integrantes do elenco, a maioria foi escolhida por um critério estético, em especial a semelhança com os intérpretes experientes. Dos três namorados de Donna, Pierce Brosnan (Sam) rejuvenesce como Jeremy Irvine, Colin Firth (Harry) como Hugh Skinner e Stellan Skarsgard (Bill) como Josh Dylan. O abismo no talento é visível, de modo que a participação dos esforçados jovens é aquém dos maduros. As versões jovens de Julie Walters (Rosie) e Christine Baranski (Tanya) são, respectivamente, Alexa Davies e Jessica Keenan Wynn – e o abismo talvez seja tão grande quanto.

O maior prejuízo, porém, fica no protagonismo que Meryl Streep perde, para dar espaço a Lily James, que não é ruim, mas não chega a um décimo da capacidade cênica de Streep. Por sua vez, Amanda Seyfried é boa atriz, todavia o roteiro é prejudicial à sua Sophie, com um plot insosso e desinteressante. Enquanto Donna (versão jovem – James) procura por uma vida feliz, Sophie está perenemente desanimada. Na trama de Donna, quase nada acontece; na de Sophie, praticamente nada. E James e Seyfried não têm o carisma suficiente para sustentar como Streep tentou fazer no primeiro.

Assim, os fiapos de narrativa servem como pretexto para os números musicais. Nesse quesito, o lado masculino é bastante inferior ao feminino, que é reforçado pela pequena participação de Cher – que se destaca mais como estrela do que como cantora, ao menos na película. Quando Hugh Skinner canta “Waterloo”, por exemplo, seu timbre destoa demasiadamente da melodia, soando desconfortável (embora a cena seja visualmente bem concebida e com uma coreografia razoável).

O que é realmente bom no longa é a transição de cenas, o que, inclusive, extrapola a montagem – único mérito do diretor Ol Parker. Logo nos primeiros minutos, uma ilha e um disco se conectam. Posteriormente, a ida de Donna a Paris é quase imperceptível, Sophie e Sky (Dominic Cooper) dividem uma parede de imóveis distintos (em países distintos), Donna e Harry saem de uma pintura e chegam a uma patisserie, um mesmo cenário divide espaço para as duas narrativas e assim por diante – tudo de maneira orgânica e criativa. A montagem ocasionalmente é boa, como o direcionamento da câmera para o sol para simular um plano-sequência, mas separando Sophie e Cienfuegos (Andy Garcia, que poderia nem ser mencionado, tamanha a sua irrelevância no filme) de Donna e Bill. Porém, na verdade, a preocupação é realmente com as cenas, não com os planos, o que tem alguma coerência em se tratando de um musical, que depende muito de coreografia e cenografia (e menos da montagem propriamente dita).

Na arte, são dois filmes em um. Na narrativa de Sophie, há uma quase exclusividade de azul celeste e branco, cores frias, como nas roupas de Sky e nas paredes; na de Donna, são exploradas outras cores, em especial cores quentes como vermelho, amarelo e alaranjado, inclusive por figurinos mais chamativos, como saltos muito altos dourados e macacões listrados. A própria Cher tem um visual gélido, com seu cabelo platinado e um vestuário de cor clara (porém, sem dispensar brilho). No primeiro caso, o filme faz o óbvio; no segundo, há maior esmero.

São utilizadas músicas menos famosas do ABBA em relação ao filme de 2008, sem dispensar, contudo, os principais clássicos (alguns meramente instrumentais). Considerando que o segundo longa tem um tom muito mais triste e introspectivo, as canções são apresentadas com maior lentidão, o que significa, de certa forma, uma ressignificação axiológica – é o que ocorre, dentre outras, com “Mamma mia”, que, porém, não perde seu potencial de empolgação quando chega ao refrão. Permanecem alguns momentos engraçados (como a cena no bar dos pescadores), todavia são efêmeros, quando não incongruentes com a proposta (como a referência a “Titanic”.

Como filme, “Mamma mia! Lá vamos nós de novo” é extremamente frágil – talvez funcionasse como conjunto de clipes musicais, mas não como longa metragem. Donna é puro id com um tímido superego, um espírito livre procurando o próprio destino, com uma personalidade que poderia ser bem explorada. Entretanto, usar como plot fatos já conhecidos, com pormenores irrelevantes, tirou o brilho que a sua narrativa poderia ter. Sophie tem um arco dramático ainda mais retraído. Talvez tudo melhore no terceiro. Ou talvez seja melhor não ter “Mamma mia!” nos cinemas de novo.