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“MARSHALL: IGUALDADE E JUSTIÇA” – Substantivo com poucos adjetivos

O que torna um Oscar bait como MARSHALL: IGUALDADE E JUSTIÇA um fiasco? A resposta é simples: a fragilidade da produção, principalmente na ótica da proposta ambiciosa. Um bom filme de tribunal envolvendo uma figura histórica na luta pelos direitos dos negros seria um acerto fácil. O que ficou faltando, contudo, foi a conexão do adjetivo bom ao substantivo filme.

Thurgood Marshall foi o primeiro afroamericano da Suprema Corte dos EUA. Antes de se notabilizar como juiz, ele já era um advogado conhecido que atuava pela NAACP (National Association for the Advancement of Colored People) defendendo negros acusados injustamente por crimes que não cometeram (e cuja acusação tinha o racismo como justificativa). Ao contrário do que o nome do filme pode indicar, o retrato é apenas de um caso: o suposto estupro praticado por um motorista (negro) contra a esposa de seu chefe (branca).

(© KVH Media Group / Divulgação)

A produção fica muito aquém da grandiosidade da estória que se propôs a contar. O caso é muito bom, tem nuances, em termos de trama, capazes de gerar alguma surpresa no espectador – desde que, é claro, bem conduzidas. O recorte de um julgamento específico (ao invés de uma cinebiografia de Marshall) é um acerto do roteiro de Michael Koskoff e Jacob Koskoff, que conseguem fornecer uma noção bastante vaga do quão significativo foi seu protagonista. Da mesma forma, o Zeitgeist fica bastante claro em diversas cenas.

Contudo, o diretor Reginald Hudlin é completamente incapaz de construir uma atmosfera condizente com o conteúdo exibido. Por exemplo, na cena de estação de trem, fica claro que nada relevante vai acontecer, não havendo nenhum elemento minimamente apto a criar um suspense favorável ao contexto. A cena não é impactante e se torna desnecessária na película – aliás, não é a única (outro exemplo é a primeira cena no bar).

Josh Gad torna Sam Friedman uma personagem que beira o patético, sendo positiva a fuga do perfil do homem branco salvador (sua presença, todavia, somente se justifica por fidelidade histórica). O elenco, entretanto, é muito ruim: Chadwick Boseman confundiu Marshall com T’challa; Kate Hudson não convence; e Dan Stevens e James Cromwell estão no piloto automático. Salva-se, no máximo, Sterling K. Brown, que faz um bom trabalho em momentos cruciais.

É interessante como o diretor recria eventos pretéritos com sutileza visual: quando imaginados (subjetividade mental), quase não há cores; quando reais (flashbacks), a estética é intermediária (em relação ao presente diegético). Parece que Hudlin tem insights positivos, como quando coloca a sombra da persiana apenas no promotor (e não nos advogados de defesa), indicando a avidez pelo encarceramento. Porém, são meros insights, distantes de uma direção coesa e sólida.

O roteiro é também inábil na tentativa de ir além do plot principal. As subtramas são vazias, ou, quando exploradas, parecem acidentais. É o caso da participação de Buster (Keesha Sharp), que deveria trazer um lado humano de Marshall, mas é lançada na narrativa de maneira fria. Ainda que seu fiapo de arco narrativo seja comovente na teoria, na prática, ela é uma personagem absolutamente sem personalidade. Impressiona o quanto o filme consegue marginalizar a personagem para depois tentar aproveitá-la para fins dramáticos (o mesmo ocorre com a esposa de Friedman). Talvez tenha sido melhor assim, já que o alívio cômico (as pretensas piadas de Marshall, como a da mala pesada) é sofrível.

O desenvolvimento da narrativa é majoritariamente protocolar: o juiz do caso é antipático em relação à defesa; o promotor é o vilão unidimensional; os advogados divergem na estratégia etc. Tudo isso pode ser visto em praticamente qualquer filme de tribunal. O único diferencial realmente bom de “Marshall: igualdade e justiça” é “Stand up for something”, bela canção composta por Diane Warren e Common e cantada por este e Andra Day. Não à toa, foi indicada ao Oscar de melhor canção original (2018). A trilha de Marcus Miller, na qual prevalece um jazz belíssimo, é a única qualidade incontestável do longa – salvo, é claro, o valor da representação histórica. Trata-se, de fato, de um substantivo com pouquíssimos adjetivos (positivos, é claro).